Foi o tempo em que se reconhecia de longe uma avó

Foi o tempo em que se reconhecia de longe uma avó. Elas eram baixinhas, gordinhas ou magrinhas, usavam cabelinhos, muitas vezes pintados de roxinho, presos em coque, com uma tiara ou um lencinho na cabeça. Aos cinquenta anos já pareciam ter vivido um século inteiro. Usavam óculos de armação prata ou dourada quando não o de armação preta e pesada, e o máximo de vaidade ficava por conta de uma camada de pó compacto Promessa da Myrurgia. Não usavam saltos altos, mas sapatilhas rasteiras. Elas sabiam cozinhar e em suas casas sempre podíamos encontrar cocadas e biscoitos fresquinhos. Gostavam de cultivar pequenas hortas pelos quintais e nos jardins rosas miúdas e vasos de antúrios onde depositavam cascas de ovos e de batatas para nutrir a terra. Seus programas resumiam-se aos aniversários das pessoas da família, quermesses, novenas e missas que frequentavam usando um véu preto ou cinza. Suas roupas eram saias e camisas de botão que caíam sem-graça e sem charme por cima da saia. E, claro, usavam calçolas, anáguas e combinações.

Hoje em dia, encontrar um espécime com essas características pode ser considerada uma tarefa hercúlea ou perfeitamente uma prova de gincana, se procurarmos pelas cidades. As avós aprenderam a se cuidar e são bonitas e sedutoras. Saem à noite, vão para balada, tomam chope nos bares, usam salto, maquiagem e aos 60 anos parecem ainda estar na flor da idade. Compram roupas modernas que lhes caem bem e bonitas lingeries que lhes valorizam os corpos. Quase nenhuma sabe cozinhar e cocada se encomenda. Biscoitos, também. Sentar em uma máquina de costura e fazer roupinhas para os netos? Estão sem tempo para isso ou nunca aprenderam a cozer. Da mesma forma não sobra nenhum dia na agenda para ficar com os netinhos se os filhos precisam se divertir nos fins de semana. Elas têm vida social, viajam e aprenderam a viver. Frequentam academias, lotam as piscinas nas aulas de hidroginástica ou fazem suas atividades ao ar livre. Muitas trocam roupas com as filhas e algumas ensinam os netos a chama-la pelos nomes, quando em público. Novelas elas ainda assistem, mas acompanhadas pelo celular, pois mantém contas nas redes sociais. Quando viúvas, não se enclausuram mais: saem, dançam e namoram.

Eu ainda lembro saudosista das minhas avós que eram vozinhas tradicionais, embora a materna fosse muito espertinha para seus muitos anos vividos. Ela tinha uma visão maravilhosa do mundo e se tivesse nascido em outra época ou tivesse tido condições de se livrar de suas amarras, teríamos muito mais a se contar de sua pessoa. Entretanto, fico feliz ao constatar as avós tenham mudado. Elas descobriram que a vida pode ser vivida com plenitude mesmo que já se tenha passado muitos anos de seu início. É certo que algumas perderam a mão, mas a maioria tem se reinventado de forma alegre e isso têm trazido para suas vidas muitos anos com perspectivas encantadoras. Ser avó, nos dias de hoje, não é mais o ocaso da vida, mas uma feliz realização e um novo tempo de curtição.

Ângela Alhanati
contato@angelaalhanati.com.br
Livre pensadora exercendo seu direito à reflexão

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2 thoughts on “Foi o tempo em que se reconhecia de longe uma avó

  1. Texto muito atual…as avós de hoje, se levarmos em conta apenas a idade, poderiam ser mães dos netinhos amados… a ciência nos trouxe recursos para adiar a maternidade por alguns vários anos…e nessa esteira, uma mulher de 45 ou 50 anos tanto pode ser a mãe como a avó de uma criança.
    De minha parte posso dizer, ser uma avó jovem é muito bom…
    Ser uma avó que tem oportunidade de ler textos como este melhor ainda!!!!

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