Conselho de Saúde de Itatiaia denuncia tratamento em hospital contra médicos cubanos

Médicos relataram a Conselho que sofriam humilhações até por parte de outros colegas que atuam na mesma profissão

Um grupo formado por cinco médicos estrangeiros de origem cubana tem passado há dois meses por um pesadelo que parece não ter fim. Desde o último dia 1º, os profissionais – que foram comunicados em reunião realizada em junho que seriam dispensados do Hospital Municipal de Itatiaia – não conseguem mais trabalhar, depois que a Secretaria de Saúde do município optou por finalizar as atividades da tenda de controle da pandemia da Covid-19, que funcionava nas dependências da unidade.

Mas a principal queixa do grupo foi o tratamento dado no momento em que foram comunicados dentro do hospital sobre a decisão em se desligar os cinco médicos, sob a alegação de que estariam trabalhando de forma irregular.

Segundo um ofício enviado pelo Conselho Municipal de Saúde de Itatiaia, onde é exposta a denúncia feita ao órgão, endereçada ao ex-secretário de Saúde Márcio Rocha, o quinteto foi chamado para uma reunião nas dependências do Hospital Municipal na tarde do dia 24 de junho, junto ao jurídico da secretaria na ocasião, o diretor clínico do hospital Fernando Guilherme de Sá Martins e a diretora geral Paula Motta.

O documento ainda relata que, após duas horas de espera, os médicos passaram por momentos de humilhação no momento em que foram comunicados. Disseram que seriam dispensados porque “o programa com o qual eles vieram prestar serviço ao país (Mais Médicos, criado em 2013) teria sido revogado pelo atual Presidente da República (Jair Bolsonaro) e que devido a isso eles ainda estariam no país de favor”.

O ofício, assinado pelo vice-presidente do Conselho, Fábio Cardoso, no período de férias do atual presidente Nilton Sousa dos Reis, ainda destaca que “os fatos narrados caracterizam em tese, assédio moral, perseguição, desqualificação profissional, falta de empatia e humanização, constrangimento e o mais agravante, xenofobia”. O Conselho ainda solicitou que a Secretaria Municipal de Saúde, no prazo máximo de 20 dias, apurasse os fatos e identificasse os responsáveis, fazendo o desligamento dos profissionais dos cargos de chefia no âmbito da Secretaria.

Este fato foi relatado na quarta-feira, dia 8, quando o jornal BEIRA-RIO entrevistou quatro dos cinco médicos, além do presidente, do vice e a segunda secretária Jacira Costa. Um dos quatro profissionais fala da dificuldade que estão enfrentando para voltar a trabalhar.

– Antes do nosso desligamento, já houve uma tentativa anterior de nos dispensar, sendo que a justificativa deles é baseada nos pareceres do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) e da Procuradoria, nos quais estaríamos irregulares e que o processo seletivo nosso estaria irregular – conta a médica Juana Dayses Gonzalez, que trabalha há seis anos em Itatiaia, citando o episódio de junho.

Ela e os colegas explicaram que aguardam por uma justificativa por parte da Secretaria de Saúde, da Procuradoria Geral do Município (PGM) e do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) sobre a decisão de dispensá-los da unidade de saúde.

Tanto eles quanto Nilton solicitaram sem sucesso que a Secretaria apresentasse os pareceres que justificaram o desligamento ao grupo, que segue recebendo mesmo sem trabalhar. “Mesmo com eles recebendo salário, o atual secretário (Filipe Borges) não avisou se os médicos vão receber as gratificações. Eles têm família e contas a pagar. A gente não está vendo isso”, respondeu Nilton.

Mesmo com o tratamento, que eles consideraram, humilhante recebido na reunião do hospital, após o conhecimento da informação por parte do Conselho, os médicos ainda foram mantidos por mais dois meses. Mas com a mudança de secretário (Borges é o terceiro a assumir a pasta desde a posse do prefeito Irineu Nogueira), os cubanos tiveram a dispensa confirmada, sendo os únicos profissionais da saúde a não serem reintegrados no atendimento de pronto-socorro do hospital após o encerramento do atendimento na tenda da Covid-19.

Juana, assim como outros quatro colegas, os médicos Yohani Tamarit, Blanca Rosa Linares, Karelia Díaz Exabie e Suvel María Tellez Viltres (que estava em serviço em Barra Mansa no momento da entrevista) estavam inscritos no programa Mais Médicos e foram contratados antes da pandemia para trabalhar em Itatiaia. Durante o período mais crítico da pandemia, os cinco médicos trabalhavam na linha de frente contra a Covid-19 desde o dia 1º de junho de 2020, após a promulgação da Lei Estadual 8.831 de 14 de maio do mesmo ano.

O presidente do conselho diz que assim como a colega Suvel María, Yohani também trabalha em Barra Mansa por contrato assinado durante a pandemia e amparados pela mesma legislação estadual, e que não enfrentam por lá o mesmo problema que em Itatiaia. “Eles têm o mesmo contrato em Barra Mansa e não existe essa pressão para o desligamento deles. Acredito que a questão seja ideológica”.

AMEAÇAS DE OUTROS COLEGAS
Em outra carta enviada ao Conselho pelos profissionais, os cinco médicos ainda relataram que foram informados sobre o desligamento sem que fosse apresentado “algum documento que justifique ou que pudesse oficializar essa demissão”, uma vez que o contrato do grupo vence somente em 2023, e que na ouvidoria não há queixas de nenhum dos profissionais.

– Estamos sendo muito injustiçados, sempre seguramos os atendimentos por todos e principalmente pelos pacientes. Muitas vezes ficamos sem almoço para não deixar os pacientes aguardando por mais tempo e nunca sequer foi realizado algum revezamento conosco. Já fomos humilhados e até ameaçados por várias vezes por alguns colegas médicos que não aceitam pobre e imigrante numa cadeira consultando, mas isso foi desrespeito e humilhação demais conosco, que só trabalhamos com respeito, profissionalismo e carinho – lamentaram os médicos.

Os cinco médicos foram contratados por Itatiaia com base na Lei Estadual nº 8.831, de 14 de maio de 2020, que “autoriza o Poder Executivo a contratar em caráter experimental profissionais de saúde de outras nacionalidades que tenham atuado no Programa Mais Médicos”, e que seguirá em vigor na data da sua publicação com vigência enquanto perdurar o Plano de Contingência adotado pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro em decorrência da pandemia pelo coronavírus (Covid-19), sendo válida até o momento.

– Eles deveriam ser mantidos aqui trabalhando em Itatiaia, já que o STF (Supremo Tribunal Federal), no auge da pandemia, deu autonomia a cada município e estado da federação a determinar medidas de combate a Covid-19, e ainda há essa lei estadual em vigor. Fizemos contato com a PGM, que informou que o decreto municipal que determinava essas contratações de médicos deixou de valer no dia 31 de dezembro do ano passado seguindo o Ministério da Saúde, mas não há nada no decreto ou um decreto novo que mostre isso – falou o presidente do Conselho.

O QUE DIZ A SECRETARIA DE SAÚDE?
Em nota, a Prefeitura de Itatiaia, através da Assessoria Especial de Comunicação, informou que de fato a Secretaria de Saúde recebeu a denúncia por parte dos médicos e do Conselho, e que na época o caso foi discutido entre as partes na Câmara Municipal, mas que não houve uma formalização da denúncia junto à secretaria por parte do Conselho de Saúde.

Já a decisão de afastar do atendimento os cinco médicos estrangeiros que atuavam na tenda de atendimentos de síndromes gripais (Covid-19) após o encerramento desse atendimento se deu com base na Portaria do Ministério da Saúde, GM/MS número 913, de 22 de abril deste ano, que declarou o encerramento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional em decorrência da Covid-19.

Para a manutenção desses profissionais na unidade hospitalar, sem o respaldo legal da Portaria do Ministério da Saúde, seria necessário que estes estivessem credenciados junto ao Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro), o que não é o caso deles.

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