A polêmica Marcha da Maconha em Volta Redonda

Cartaz alusivo ao evento de domingo, dia 29, em Volta Redonda, citando a Lei nº 5.250 e com a palavra “todos” descrita para o público não-binário (Foto: Divulgação)

Durante uma reunião realizada nesta sexta-feira, dia 27, os organizadores da Marcha da Maconha de Volta Redonda desistiram de entrar com Reclamação Constitucional no Supremo Tribunal Federal (STF) por descumprimento de Decisão Vinculante proferida pelo supremo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 187), que garante a liberação das marchas da maconha em todo o Brasil.

O jornal BEIRA-RIO entrou em contato com a organização do evento. Uma das advogadas apoiadoras da causa, Natália Rodrigues, informou na noite desta sexta-feira que os dois integrantes entrevistados se reuniram com os outros organizadores, e voltaram atrás na decisão de não entrar com a Reclamação Constitucional no STF por medo de represálias.

– Mas a ofensa feita pelo então deputado foi a todos os manifestantes que querem estar na Marcha e debater sobre o tema. As falas ofensivas dele atinge a todos. Então estamos estudando um outro remédio jurídico (recurso) mais cabível – justificou a advogada.

A decisão foi tomada dois dias antes da realização do evento, que, no entanto, segue confirmado e será realizado no próximo domingo, dia 29, com concentração na Praça Juarez Antunes, na Vila Santa Cecília. Inicialmente, após a aprovação de uma Moção de Repúdio de autoria do deputado federal Delegado Antônio Furtado (União Brasil/RJ) – citado por Natália – contra a Marcha da Maconha, ocorrido no dia 17, parte da organização publicou uma nota do posicionamento do grupo.

A advogada, em entrevista ao jornal, conta como resolveu ficar ao lado dos organizadores do evento.

– Tomei conhecimento da Marcha da Maconha de Volta Redonda através dos diversos ataques feitos por um deputado federal, nas redes sociais, jornais e rádio. Ao me deparar com esses ataques a uma manifestação legitima, decidi, como advogada, oferecer apoio aos organizadores da marcha. Encontrei muita resistência em tomar medidas judiciais contra esses crimes, uma vez que, o ataque era proferido por uma autoridade, mostrando ter apoio de forcas policiais, municipais e federais. O grupo se sentiu ameaçado, a ponto de gerar instabilidades, por receio de represálias – revelou a advogada.

Com o respaldo da advogada, dois dos organizadores da marcha decidiram inicialmente por entrar com reclamação com base na ADPF 187, votada e aprovada no ano de 2011, por decisão unânime. Os ministros decidiram pelo reconhecimento e a liberação da realização dos eventos chamados Marcha da Maconha, que reúnem manifestantes favoráveis à descriminalização da droga.

Para eles, os direitos constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento garantem a realização dessas marchas. Muitos ressaltaram que a liberdade de expressão e de manifestação somente pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações ilegais e iminentes.

Políticos como o deputado federal Delegado Antônio Furtado são contrários à realização da marcha (Foto: Divulgação/Câmara Federal)

O deputado Furtado, em vídeos postados nas redes sociais, se diz abertamente contra a marcha, classificando-a como a “Marcha da Vergonha”. A Moção de Repúdio de sua autoria foi aprovada na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara Federal por 24 dos 25 deputados participantes.

Nos vídeos – que mostram Furtado se pronunciando em sessões da Câmara e em entrevista a um programa de rádio em Volta Redonda – ele se diz um defensor do povo, e chama o movimento de “Marcha da Vergonha”. “A primeira marcha, ouçam bem, a primeira marcha de Volta Redonda. Nós simplesmente ficamos estarrecidos diante da ousadia de traficantes que procuram captar novos usuários, travestidos, e o que buscam é a marcha da vergonha. Povo de Volta Redonda, tenham em mim um defensor!”.

Ele ainda cita que vai “trabalhar pra impedir esse movimento”, e relata que tem procurando as autoridades políticas e policiais para isso. Furtado ainda alega que “isso foi criado pelos traficantes pra aumentar o consumo de drogas” e também destruir a família. Em um segundo vídeo, o parlamentar associa o narcoterrorismo ao evento que acontecerá no domingo, disse que os organizadores têm uma “cara-de-pau deslavada”, e que ainda duvida que a marcha será realizada. “A cada dia que passa nós temos mais apoios contra a marcha”, finaliza.

A pressão contra a marcha acabou desestabilizando em parte o grupo inicialmente formado para organizar a primeira edição. Ainda assim, todos seguiram na organização do evento, sendo que antes da desistência total em entrar com o recurso constitucional no STF, dois dos quatro idealizadores ainda seguiam firmes na ideia de recorrer aos meios jurídicos.

Um deles é o autônomo Matheus Nogueira, que sentia falta de um evento com a grandeza da marcha para se manifestar contra as injustiças sociais, inclusive as ocasionadas pela ilegalidade da venda e também do uso da maconha.

– Um dia desses estava com o João (Guimarães, que também segue na organização do evento) andando pela rua, falei pra ele que eu nunca havia participado de uma Marcha da Maconha, e ele também não. Aí falei que Volta Redonda também deveria ter uma marcha da maconha. Volta Redonda é Volta Redonda, tá ligado? Tipo amo minha cidade, de paixão. Volta Redonda é a cidade perfeita, porque ela é planejada num local pra ela ser perfeita, então fica muito mais fácil todo mundo se chegar em Volta Redonda. Por exemplo, pessoal de Barra do Piraí chegam em Volta Redonda com um ônibus, pessoal de Volta Redonda com ônibus em Volta Redonda com ônibus, sabe? Coisas que se fosse uma outra cidade teria que pegar dois ônibus, ou seja, se tornaria tornaria um deslocamento muito mais difícil – relembra.

Ele ainda conta que no começo não sabiam o que fazer, e que então resolveu trocar ideias com outro amigo (que desistiu de fazer parte do grupo), que colocou os jovens em contato com a organização da Marcha da Maconha do Rio de Janeiro, que os auxiliaram na organização do evento. “Foi uma correria, um processo de aprendizado, eu não sabia e ainda não sei trabalhar em coletivo, pra mim foi uma coisa muito diferente. Eu estava acostumado a fazer tudo sozinho, e do nada tinha um pra me ajudar a tocar uma ideia pra frente”.

O autônomo adianta que a marcha abordará o contexto do uso medicinal da maconha (através do canabidiol e outros tratamentos derivados da planta), mas não se restringirá a isso. “Mas estamos aqui pra abordar o acontecimento e trazer um outro contexto da pauta, como as políticas, que temos que mudar. Esta é a luta maior, ainda mais pelo que a política atual está fazendo. Esse é um dos motivos da minha revolta de não acontecer a marcha da maconha em Volta Redonda. (…) Porque o movimento existe e não é fumar na rua, é mostrar que o proibicionismo político de drogas hoje em dia no Brasil está gerando um novo genocídio”.

O genocídio citado por Matheus se refere à uma operação policial realizada na terça-feira, dia 24, na comunidade da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, que tinha como objetivo capturar integrantes de uma facção criminosa (traficantes de drogas do Comando Vermelho), mas que resultou em uma chacina, deixando mais de 20 mortos, entre elas uma cabeleireira de 41 anos da comunidade da Chatuba, vizinha a Vila Cruzeiro, que foi baleada dentro de casa.

O outro integrante do grupo, o estagiário de Psicologia João Guimarães, disse que inicialmente ficou feliz com a iniciativa de Matheus, porém achava loucura. “Mas sabendo que ele também tinha esse pensamento, eu vi que poderia ser possível. Volta Redonda é uma cidade conservadora, as pessoas não achavam que aqui seria possível fazer uma Marcha da Maconha”, respondeu João, que diz ter grupos apoiando a causa na cidade.

– Os apoios vem dos coletivos, que entendem que essa causa é muito maior do que apenas fumar um baseado. Temos muitos maconheiros que estão com medo por conta de pais conservadores, mas a Marcha da Maconha é um evento gigante que tem ganhado mais força a cada ano, e queremos mostrar que também estamos indignados com a atual política de drogas e com todo esse genocídio das guerras às drogas. Também queremos dar nossa voz a essa causa – acrescenta.

Ele revela que, mesmo em pouco tempo, o evento já se tornou regional, e vários grupos, tanto do Rio de Janeiro quanto de cidades vizinhas (Vassouras, Valença, Resende, Barra do Piraí, Pinheiral, Barra Mansa, Resende e Itatiaia) já confirmaram presença.

Organizadores já estão divulgando evento em Volta Redonda (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

MOVIMENTOS TÊM RECEIO DE APOIAR A CAUSA
Nas redes sociais da Marcha da Maconha, o movimento vem recebendo apoios de nomes e grupos políticos de esquerda e defensores da legalização da cannabis, além de informar o verdadeiro intuito do evento, diferente do que vem sendo divulgado por grupos mais conservadores. Além das políticas acerca da legalização da maconha, os manifestantes protestarão contra as políticas de segurança pública e de outras áreas advindas de sua proibição.

Ainda de acordo com informações de pessoas ligadas aos organizadores, o grupo teve bastante dificuldade de encontrar apoio de outros movimentos sociais, principalmente por conta dos mesmos já serem apoiados pelos governos atuais, e terem receio de envolvimento nessa causa, tendo apenas moral e visual de partidos. O financiamento do evento vem de alguns doadores e apoiadores da causa. As informações sobre o evento poderão ser conferidas pelo Instagram e pelo Twitter.

O evento está marcado para este domingo, a partir das 14h20, com concentração na Praça Juarez Antunes, e seguirá pela Rua 33 até o destino final, na Praça Pandiá Calógeras (ETPC), no bairro Sessenta. Os organizadores orientam os participantes a não cometerem atos que possam incorrer em autuações em flagrante (segundo o Artigo 33 da Lei de Drogas) e a realizarem o protesto de forma pacífica.

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