“Metendo a Colher” em nome das mulheres e contra a cultura do machismo

O desembargador Wagner Cinelli (sexto da esquerda pra direita) cita as experiências vividas na carreira em que julgou casos envolvendo violência e ameaça contra mulheres (Foto: Reprodução/PMI)

Autor do livro “Metendo a Colher”, o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Wagner Cinelli, participou de uma palestra realizada pela Secretaria de Políticas das Mulheres de Itatiaia, nesta segunda-feira, dia 23, no plenário da Câmara do município.

Em evento que contou com as presenças de autoridades do Legislativo, Executivo e Judiciário, além de integrantes das corporações policiais e das guardas municipais da região, o desembargador – que também é autor de outra obra voltada ao mesmo tema – abriu a palestra com uma breve relato sobre os primeiros anos na carreira de magistrado, e dos casos que vivenciou envolvendo brigas de casais e agressões contra as mulheres.

– Pra mim não é bem uma palestra, é uma conversa. São tantas pessoas interessadas em um tema, que não vai sair da nossa pauta. Nem na semana que vem, nem no ano que vem, nem daqui a cinco anos, nem daqui a dez. Ele é um tema no qual a gente terá que conviver.

Para Cinelli, falar sobre o tema da violência contra a mulher é importante para o seu combate. “Eu não tenho a esperança de que na minha existência essa questão esteja devidamente equacionada. Acredito é que fundamental falarmos sobre esse tema pra que tenhamos mais consciência, mais prevenção para que as pessoas sejam tocadas e pra que haja uma redução da violência contra a mulher, da violência de gênero. Que haja empoderamento feminino porque isso é uma equação, quanto mais empoderada a mulher, menor a violência”, acrescentou.

Ele defende que, antes de tudo, há uma uma violência que não se resume apenas às agressões físicas ou ameaças. “Ali (na comarca de São Gonçalo, onde chegou a trabalhar por um tempo) eu vi muitos casos, várias formas de violência contra a mulher, entre elas a patrimonial. Lembro-me muito bem desse dia, esse marido que não pagava os alimentos, que não era pra mulher e sim pros filhos. Quando chegou lá ele dizendo que não podia que não podia, a moça falou ele pode, mas que ele está aborrecido pelo fato da ex ter arranjado um namorado (…). A gente conversou, ele fez o acordo, pagou e seguiu em frente. Mas aquilo ali é só uma representação do que é a cultura que nos é introjetada desde o dia que a gente nasce”.

O desembargador aponta que “a cultura tem um papel importante”, mas que há “uma história de subjugação da mulher pelo homem”. “Antiga. Isso (o machismo) vem refletindo. Até não muito tempo atrás a mulher não podia estudar. A mulher não podia votar, e se fosse trabalhar ou estudar tinha que pedir autorização ao pai ou ao marido. Então eram tantas desigualdades que dificultavam a participação e o desenvolvimento da mulher na sociedade. E isso ainda se reflete até hoje, não está resolvido, isso não vai resolver também nesse ano, no ano que vem, mas a gente tem que falar sobre isso, mesmo que muita coisa já tenha melhorado em setores como a política”.

Cinelli reuniu em sua obra alguns de seus artigos e de colegas, publicados nos jornais (Foto: Divulgação)

Ele também destacou outras questões relativas ao assunto, entre elas a vergonha e/ou constrangimento das mulheres para denunciar homens que dão cantadas ou que tenham cometido o estupro, além de falar de um artigo recentemente escrito por ele próprio, publicado no jornal O Dia, sobre casos de feminicídios cometidos por homens ricos em outros países.

Cinelli ainda apresentou ao público o vídeo “Sobre Ela”, um curta-metragem de animação de cinco minutos que mostra o drama de uma mulher que sofria abusos por parte de seu companheiro, baseado no livro de mesmo nome escrito pelo desembargador.

O deputado estadual Noel de Carvalho (Solidariedade), que esteve presente no evento, ressaltou a importância da palestra realizada em Itatiaia. “Essa Luta é a melhor forma de construir uma humanidade melhor. Processo é muito lento, por isso esse tipo de palestra ajuda acelerar esse processo de empoderamento e defesa da mulher”, disse o deputado.

A secretária de Políticas Públicas para as Mulheres em Itatiaia, Luciana Cavallari, diz que “só este ano, já são 139 atendimentos, fora as subnotificações em Itatiaia”. “Nosso trabalho é envolver os homens nesse trabalho de defesa das mulheres”, completou.

SOBRE O DESEMBARGADOR
Formado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ em 1986, o desembargador Wagner Cinelli de Paula Freitas também cursou Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nos dois primeiros anos, tendo concluído esse segundo curso posteriormente, com ênfase em Sociologia e Antropologia. Advogou por seis anos, ingressando na Magistratura em 1992.

Atuou como juiz auditor, do curso de formação de magistrados, no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, no último trimestre de 1997, e fez o curso de mestrado em Política Criminal na London School of Economics and Political Science, concluído em 2000. O posicionamento ético levou o Desembargador Wagner Cinelli, atualmente integrando a 6ª Câmara Cível, a se interessar pela carreira da magistratura.

O LIVRO
“Metendo a Colher” é, na verdade, uma coletânea de artigos sobre a violência de gênero publicados em diversos veículos de comunicação entre janeiro de 2021 e janeiro de 2022, a maioria do próprio Wagner Cinelli, e com contribuições de Zuenir Ventura (O Globo), Melissa Duarte, (entrevista para a AMB), Renata Izaal (entrevista para a Plataforma Celina, O Globo), Camille Pezzino (resenha, Caneta Tinteiro) e Paulo Alonso (Reitor da Universidade Santa Úrsula, no Monitor Mercantil) e Gabriela Zimmer.

A obra levanta a preocupação com a cultura machista que ainda permeia muitas de nossas relações sociais. Seu foco principal é a violência praticada pelo homem contra a atual ou ex-companheira, englobando, nesse contexto, diversos assuntos, como o ciclo da violência, a importância da proteção à mulher e a necessidade de seu empoderamento social. O título inspira-se no ditado “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.

Há também outros textos, escolhidos por fazerem referência ao curta-metragem “Sobre Ela” ou ao livro “Sobre ela: uma história de violência”, ambos do mesmo autor. Ao final, um poema que aborda um caso de violência perpetrada por um marido abusador contra uma vítima que não compreendeu a tempo a gravidade da situação em que vivia. Por situações como essa e por tantas outras, não meter a colher é coisa do passado – daí a relevância do verbo no gerúndio: Metendo a colher.

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