Um “viva” aos escritores!

– Escrever para não enlouquecer (Charles Bukowski)

Pela passagem do ‘Dia do Escritor’ (todo mundo tem dia, menos o pobre), nesta semana reproduzo a introdução do meu romance ‘Crônica da Meia Noite – O dragão alçou voo’, de 2019. A história começa no ano 2050 e faz alguns retornos a 2030, 2020. O livro está na Livraria Gregas & Troianas, no Jardim Jalisco ou no Site da Editora Garcia. E mais uma vez lamentar e assumir um luto em respeito às cerca de 85 mil famílias, vítimas da Covid-19 e do Covarde-17.

Ano 2050

Acionei a projeção holográfica receptiva e Jordan se materializou diante de mim. Tinha a mesma expressão blasé que exibia na última conversa que mantivemos dias atrás, de forma presencial, num reservado do Hong Kong Bar. Havia um fundo musical, como agora que o sistema interno detectou minha emoção. É a ‘Serenata’, de Schubert. Uma música antiga, que muito me comove. Um clássico, que nesse momento assume uma dimensão ainda mais comovente, em harmonia com essa atmosfera melancólica. É como um réquiem. A despedida de uma existência, talvez.

– Você nunca acreditou naquela história antiga do tal Nick Bostrom, não é verdade? – indagou Jordan com uma articulação tão perfeita, que até parecia humano.

Jordan é meu secretário humáquinu, uma das perfeições da Inteligência Artificial – um luxo proporcionado a quem ocupa cargo de direção na Xangai Hope. Gerado para discutir decisões técnicas, mas, quase humano, deu de se intrometer em questões pessoais e a fazer incômodas e inconvenientes conjecturas. Respondi a ele.

– Não. Aliás, me esforço para não acreditar. Tomara que ele e todos os seus seguidores, os fanáticos que vieram depois dele, estejam errados.

– É… Mas não estão. Você não é você, Saulo. Eu não sou eu. E nem ele é ele. Na verdade somos apenas o resultado do delírio de uma inteligência suprema. Essa vida é uma simulação. Bostrom foi um artifício para nos fazer pensar.

A tocante melodia de Schubert ainda estava no ambiente quando o meu secretário humanoide concluiu seu discurso perturbador. E, me encarando de forma complacente, disse:

– Mas temos o direito supremo de nos acharmos reais. Pode chorar quando estiver sozinho, meu amigo. Isso também nos é permitido.

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