Aulas presenciais em plena pandemia: o que pais de alunos e especialista pensam sobre isso?

As autoridades estaduais e municipais do Brasil não têm chegado a um consenso nas últimas semanas quando o assunto é a flexibilização gradual das medidas de distanciamento social, com base no índice de ocupação dos leitos hospitalares por pacientes da covid-19. Ao contrário do que vem acontecendo em países da Europa e na China, onde a pandemia segue controlada, no Brasil essa situação ainda não chegou ao seu pico. Nas últimas semanas, o país tem batido recordes em números de infectados e mortos, inclusive nas últimas 24 horas.

Ainda assim, as cidades estão liberando as atividades econômicas e até mesmo esportivas, como a volta do Campeonato Carioca (realizado na quinta-feira, dia 17). Por outro lado, as aulas presenciais seguem suspensas, mas em alguns municípios as prefeituras já planejam o retorno delas. É o caso da capital fluminense, onde o retorno está previsto para depois do dia 2 de julho, em várias etapas.

Em Resende, depois da reabertura das atividades econômicas, o município também cogita retornar com as atividades escolares presenciais. Duas mães de alunos atendidos na rede municipal de ensino procuraram a equipe do jornal BEIRA-RIO e deram a informação de que “provavelmente não teria mais apostilas (para as aulas online) porque as aulas presenciais devem retornar nos próximos dias e que inclusive as orientadoras estariam voltando ao trabalho já na próxima semana”. No casos das escolas privadas, as instituições estão fazendo uma consulta sobre o retorno presencial junto aos pais sobre o assunto.

A decisão contrariou a maioria dos pais (e outros responsáveis), que ainda temem o elevado nível de contágio. Muitos postaram comentários nas redes sociais dizendo que os filhos não voltarão à escola enquanto não for encontrado um tratamento e/ou vacina para o combate ao novo coronavírus.

– Minhas filhas não irão mesmo. Tenho pessoas com baixa imunidade na família. Não vamos arriscar. Estamos em distanciamento social desde março seguindo todos os protocolos. Respeitamos e entendemos quem necessita sair diariamente, mas não vou permitir que retornem aos colégios. Melhor perder o ano letivo do que perder a vida – disse uma internauta.

Outra questionou o prefeito. “Espero que esse Prefeito tenha bom senso, pois se essa notícia for verdadeira, de querer retornar às aulas em pleno pico, será ums atitude totalmente irresponsável e não te ha dúvida que a APMR (Associação dos Professores do Município de Resende) vai questionar. Melhor perder um ano do que perder a vida dos meus filhos”.

Uma integrante do Conselho Municipal de Educação de Resende (Cedur) também fez uma postagem, mas não confirmou a informação sobre o retorno das aulas presenciais em Resende. Porém, expressou sua opinião contrária. “Ainda não tive nenhuma informação a respeito. Sou contra, caso isto entre em pauta no Cedur”.

Especialistas da área da saúde também questionam a atitude tomada pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC); pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) e possivelmente pelo prefeito resendense Diogo Balieiro (DEM). Para a conselheira estadual de Saúde Solange Belchior, ainda é cedo para se pensar em uma liberação das aulas presenciais.

– A gente sempre observa o que aconteceu antes em outros lugares. Na China (primeiro país a registrar casos), eles foram bem cautelosos para liberar as aulas. Aqui estamos ainda esperando o que acontecerá com a flexibilização (das atividades na cidade do Rio). A expectativa é de que pela forma que o vírus se comporta em termos de transmissão, que haja um aumento muito grande (dos casos de covid-19) a partir do 14º dia da flexibilização na capital (que começou no início deste mês). Se a gente considerar que o Rio representa 60% da população fluminense, o impacto desse problema para o estado será enorme, já que quem é do interior e precisa viajar, vai para a capital e depois volta para sua cidade. A gente já esperava que as cidades do interior registrassem um aumento nos casos, especialmente as que são cortadas por estradas.

Ela ainda aponta outros fatores que impossibilitam o retorno das aulas presenciais, entre eles a lotação máxima de alunos nas salas de aula (mais crianças que o recomendado por turma), geralmente do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental, que ainda não adquiriram nenhum hábito de proteção, e a falta da infraestrutura pra recebê-los. “Como é que você vai dizer pra criança não abraçar o coleguinha, não dividir o copo, como é que você vai higienizar o bebedouro da escola, que é coletivo, como é que vai fazer com o refeitório? Até porque todos esses lugares, já está comprovado por estudos que são lugares de transmissão. Sempre recomendei a professores que não fechem as janelas e façam todos respirar o mesmo ar – mesmo no inverno. O certo é só agasalhar e manter as janelas abertas para evitar a transmissão do vírus”.

Ela também critica a precariedade na educação para a saúde realizada no Brasil, dizendo que não há investimento para os professores nessa área. “Se nossos professores tivessem uma orientação maior nesse tipo de educação, a gente estaria bem melhor. Principalmente se a população tivesse consciência, não saísse de casa e não fosse para a rua sem máscara nesse período do contágio. O povo chinês tem um outro tipo de cultura, uma outra educação. A gente sabia que aqui seria mais difícil devido à falta dessa educação”.

Para Solange, a pressa para retornar as aulas presenciais, tanto no estado e especialmente nos municípios, não tem a ver apenas com a questão econômica, como também as questões político-eleitorais.

– A experiência da China mostra que não pode se liberar nada precocemente nesse tempo de pandemia. O prefeito do Rio está jogando pra plateia (e os prefeitos do interior também) porque é candidato (à reeleição) e acabou de fazer um acordo com o Bolsonaro (Jair, presidente, sem partido). Existe um tendência dos candidatos que querem apoio de tentar mostrar que a pandemia “não é bem assim”. O Witzel rompe aliança com o presidente e quer se lançar candidato à presidência. Sem contar que o estado do Rio já contava com carências em leitos de UTI muito antes dessa pandemia. A gente entrou com um saldo devedor na saúde. E o Governo Federal não quer ouvir a parte técnica do Ministério da Saúde (que é o orientador das regras do SUS no país). É uma loucura o que estamos vivendo. Acho que os governantes exageraram nesse liberação – completou.

NA CONTRAMÃO DO MEC Sancionada na última quinta-feira, dia 18, pelo Governador Witzel, a Lei nº 8901/20, autoriza o Poder Executivo a alterar o calenário escolar deste ano. De autoria de vários deputados estaduais, entre eles o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), André Ceciliano (PT), em seu primeiro artigo prevê a autorização dada ao governador para “propor ao Conselho Estadual de Educação a antecipação ou a ampliação do recesso escolar do mês de julho, no âmbito da educação básica, como medida de contenção ao novo coronavírus (Covid-19), em escolas públicas e particulares do Estado do Rio de Janeiro”. E no segundo artigo, “em caso de ampliação, o conselho divulgará o novo calendário letivo de 2020 para compensação dos dias sem aulas, após ouvir órgãos estaduais competentes e estabelecimentos particulares de ensino”.

Antes mesmo da aprovação da lei, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), encaminhou na segunda-feira, dia 15, uma Recomendação ao Estado do Rio de Janeiro, à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), à Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), e à Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj). O documento solicita que o governo, a secretaria e as fundações educacionais apresentem, no prazo de 10 dias um plano de ação para retomada das atividades escolares e de ensino superior presenciais. Segundo a Recomendação, o plano de ação deve ser elaborado após debate e construção com a participação da comunidade escolar e Conselho Estadual de Educação e organizações da sociedade civil. Dentre as medidas, o número aproximado de dias letivos previstos para a composição do calendário letivo de 2020, ainda que de forma provisória, deverão ser indicados.

Na capital fluminense, Crivella divulgou no dia 1° deste mês um programa de retomada das atividades na cidade, sendo que na terceira fase de abertura, prevista para julho, haverá a volta das atividades presenciais em creches e escolas do ensino fundamental (5⁰ a 9⁰ ano) das redes pública e privada. A decisão não foi bem recebida pelo Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), que questiona os critérios adotados para essa tomada de decisão: “O sindicato não vê como voltar. Muitos especialistas que discutem a pandemia avaliam que antes de setembro não é possível uma volta”, afirma Izabel Costa, coordenadora-geral do Sepe-RJ, ao portal Rede Brasil atual.

O sindicato admitiu, na entrevista, que pode “utilizar todos os meios necessários” para defender professores, demais profissionais do setor e alunos de uma possível segunda onda de contaminação, inclusive com a possibilidade de greve. A adoção das medidas no estado e na capital fluminense são divergentes da Portaria 544, do Ministério da Educação (MEC), que foi na contramão do estado do Rio e dos dois municípios citados na matéria, prorrogando até o dia 31 de dezembro de 2020 em caráter excepcional, a substituição das aulas presenciais por atividades que usem recursos educacionais digitais, tecnologias da informação e comunicação ou outros meios convencionais.

Segundo a medida, as instituições devem comunicar ao MEC a opção pela substituição de atividades letivas por ofício em até 15 dias do início dessas atividades. Nesse período, as atividades presenciais podem ser suspensas, mas deverão ser integralmente repostas de modo a cumprir a carga horária dos cursos. O calendário de férias também pode ser alterado.

BRASIL ULTRAPASSA 1 MILHÃO DE CASOS Tanto o estado do Rio quanto os dois municípios registraram aumento nos casos do novo coronavírus. Em todo o território fluminense, foram confirmados 93.378 casos, com 8.595 mortes; na capital do estado foram registrados 48.753 casos com 5.632 mortes. E em Resende o município registrou 363 casos confirmados, com 20 pessoas mortas. Em todo o Brasil, o número de infectados já ultrapassou 1 milhão (com mais de 54 mil mortos). O jornal BEIRA-RIO entrou em contato com a Prefeitura de Resende e a Secretaria Municipal de Educação, mas até o momento ninguém se pronunciou.

Foto: Divulgação/Banco de Imagens

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