“Os Resistentes”: a realidade dos orelhões em Resende

Cabines dos orelhões sofrem com o vandalismo e a falta de manutenção

“Difícil, eu nunca vi ninguém usar. Eu, por exemplo, não preciso porque tenho celular”, respondeu o vigilante Paulo César Santos, quando perguntado pelo jornal BEIRA-RIO se costuma usar o orelhão ou conhece alguém que utilize os telefones públicos que ficaram popularmente conhecidos por esse nome por terem uma cabine de proteção que lembra o formato de uma orelha.

Muito procurados desde o seu lançamento, na década de 1970, os orelhões vêm perdendo espaço para os celulares nos últimos anos. Até mesmo a faxineira Marlene Silva, que teve dificuldades de se adaptar à modernidade do celular, também não costuma utilizar mais as cabines de telefone. “Hoje eu somente uso o celular, porém já utilizei muito o orelhão”, diz a faxineira.

Durante as entrevistas, realizadas no Centro de Resende, mais precisamente na Praça Oliveira Botelho, a equipe do jornal teve a oportunidade de observar algumas pessoas utilizando os orelhões. Mas os motivos são distintos. “Eu tenho às vezes esse costume de passar de usar o orelhão, mesmo tendo celular. Mas nem sempre consigo, pois os telefones daqui são ruins. Mas ainda assim prefiro usá-los em casos de urgência”, responde a dona de casa Tuany Cristina de Moraes, que usava o aparelho localizado em frente a uma empresa de contabilidade.

Já os membros de uma família aproveitaram que estavam passando em frente à sede da operadora responsável pelos orelhões para fazer uma ligação a cobrar, na Rua Dr. Cunha Ferreira. A ligação foi feita pela dona de casa Kátia Sirlene. “É muito raro a gente parar e ligar de um orelhão, foi mais por necessidade que liguei para minha mãe. Só que caiu a ligação”, disse.

Seu marido, o industriário Péricles de Oliveira destaca outro motivo para usar o orelhão. “Toda vez que precisamos fazer ligação pelo 0800 (popular nome para ligação gratuita), a gente só consegue no orelhão porque não temos telefone fixo, e o celular não faz esse tipo de ligação”, justificou.

Péricles revela que utiliza orelhões quando precisa ligar para telefones gratuitos (0800)

Dois taxistas também relataram que costumam ver algumas pessoas usando os orelhões, também pelo mesmo motivo que Péricles. “A gente vê sim as pessoas no orelhão, são poucas, mas consegue. O celular tomou posse de tudo”, diz o taxista Vicente de Paula Batista Silva. Seu colega de profissão, Claudionor Alves, aponta os motivos daqueles que vão para os telefones públicos.

– Tem gente que vem ligar no orelhão por causa dos serviços oferecidos pelo 0800. Quem precisa ligar para o Detran, por exemplo, só consegue no orelhão quando está na rua – lembra.

O jornal também esteve em outros dois bairros de Resende verificando os orelhões existentes. Na Avenida das Mangueiras Norte, no bairro Cidade Alegria, o comerciante Osvaldo Reis, dono de um estabelecimento vizinho a um deles, revela que ainda consegue ver pessoas ligando e até perguntando se vende cartões telefônicos. “Aqui eu não costumo vender cartões para uso no orelhão, mas tem uma vendedora de um loja aqui próxima que ainda faz isso”, revela.

A proprietária foi localizada pela reportagem, mas preferiu não dar entrevista. Mesmo assim, ela confirmou o fato, mas disse que não recebe o produto para venda há seis meses, já que o fornecedor não tem aparecido. Ela também não soube informar quantos cartões vendia nem o valor deles.

No bairro Campos Elíseos, quem precisa de usar o orelhão ainda tem uma salvação. Uma pequena loja, ao lado de outra grande especializada em atender a clientela que aderiu de vez ao celular ainda vende os cartões para o telefone público. Até a própria vendedora, antes de começar a trabalhar no estabelecimento, conta que não acreditava mais que o produto existisse.

– A gente ainda consegue vender para pessoas que não tem mais créditos ou bônus em seus celulares. E aí acabam às vezes tendo que comprar o cartão para ligar do orelhão, e passam aqui – revela a vendedora Marisa Moura, acrescentando que cada cartão sai a R$ 7 e possui 20 unidades cada. Em média, a loja vende em média de três a quatro cartões por dia.

De tão esquecido, orelhão passa despercebido em canteiro do trevo da Resende-Riachuelo

ORELHÃO FICA ISOLADO EM TREVO
Ligações a cobrar inoperantes, necessidade do uso de cartões telefônicos e má conservação. O jornal BEIRA-RIO analisou oito orelhões espalhados pelas ruas de Resende, e encontrou todas essas situações envolvendo os telefones públicos. De fato, Péricles e Kátia não estão errados. Em todos os aparelhos, as ligações a cobrar não conseguem ser completadas, obrigando o usuário a usar os cartões, uma vez que os aparelhos dependem ainda deles. Nesse caso, os usuários têm conseguido ligar. E sem os cartões, usando de forma gratuita, a ligação cai. A reportagem não encontrou ninguém usando o 0800.

Em relação a conservação dos orelhões, foram constatados alguns sinais de vandalismo. As todas as cabines costumam ficar sujas, assim como os telefones. No aparelho próximo ao bar da Cidade Alegria, havia uma garrafa de refresco de guaraná em cima do telefone. Em um dos aparelhos próximos ao prédio da operadora, no Centro, as teclas já não tinham mais os números visíveis, causando confusão no usuário ao teclar.

O aparelho que fica na Praça Oliveira Botelho se encontra com a haste de sustentação enferrujada, a cabine com a tinta descascada e o aparelho teve sua placa de instruções retirada. Curiosamente, um dos telefones visitados ficou isolado em meio ao trânsito, após as reformas realizadas ainda na administração municipal anterior. Ele se localiza exatamente em um dos canteiros do trevo construído na entrada da estrada Resende-Riachuelo, próximo ao bairro Campo de Aviação, obrigando as pessoas a atravessarem a pista, que fica movimentada nos horários de pico e na maior parte do ano por causa do movimento de estudantes e veículos na Associação Educacional Dom Bosco (AEDB).

EM DESUSO E NEGLIGENCIADOS PELA OPERADORA
Os orelhões alcançaram popularidade a partir de 1972, após o lançamento de uma cabine feita para os telefones públicos em fibra de vidro, projetada pela arquiteta chinesa naturalizada brasileira Chu Ming Silveira. Para isso, ela partiu da forma do ovo para conceber sua criação, uma forma de proteção acústica de 70 a 90 decibéis, protegendo o usuário de ruídos externos.

Com o passar dos anos e o acesso dos celulares a quase toda a população brasileira, que possibilitou a comunicação móvel, além de possibilitar que as pessoas usem a internet em qualquer lugar e utilizem outros recursos no dia a dia, o orelhão começou a cair em desuso. Ainda assim, há uma pequena parcela da população que precisa dele: pessoas que ainda veem praticidade em seu uso, de camadas mais humildes e que não possuem um celular, ou aquelas que emergencialmente estão sem créditos, com o celular sem bateria funcionando ou que precisam ligar para um serviço 0800.

Isso tem levado a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a punir diversas vezes a operadora Oi desde o ano de 2012. Na ocasião, a entidade considerou que faltavam aparelhos e havia uma má conservação dos existentes, e a mesma foi obrigada a oferecer a ligação gratuita dos orelhões em todos os estados. Atualmente, nem todos se beneficiam desse serviço, estando o Rio de Janeiro entre eles. O BEIRA-RIO entrou em contato com a assessoria de imprensa da Oi, que confirmou a informação.

Em todo o território fluminense, a empresa oferece a gratuidade apenas para quem tem o telefone fixo em casa. Os usuários do serviço Oi Fixo não são tarifados pelas ligações realizadas dos orelhões, que por sua vez dependem dos cartões para funcionar.

ACABA OU NÃO OS ORELHÕES?
Em nota, a Oi destacou o novo Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), aprovado por Decreto Presidencial em dezembro de, que “veio adequar as regras vigentes no Brasil à tendência mundial, garantindo a permanência de orelhões em locais onde há demanda como shoppings, escolas, postos de saúde, hospitais, órgãos dos poderes executivo, legislativo e judiciário, estabelecimentos de segurança pública, bibliotecas, museus, terminais rodoviários, aeródromos, etc, bem como em localidades hoje só atendidas com TuP (telefones de uso público)”.

A nota ainda justifica que “os recursos que seriam investidos em orelhões serão destinados a ampliação de serviços essenciais para a sociedade, como a banda larga, conforme prevê a nova regra”. A Anatel fala mais sobre o assunto em uma matéria publicada em seu site.

Segundo levantamento da Anatel, Resende conta com 503 orelhões espalhados pelo município, sendo que 415 estão acessíveis 24 horas e apenas seis deles adaptados para cadeirantes e três deles adaptados para deficientes auditivos. A empresa não respondeu sobre quantos funcionam e nem sobre como é feita a manutenção e limpeza deles.

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