Sobre a vida

Eu só vi a desgraça que pode fazer a vida de um ser humano desmoronar quando já era crescido. Levei meus primeiros dez anos acreditando que não poderia haver sofrimento maior que farpa de bambu no polegar ou ferroada de marimbondo no dorso da mão. É certo que eu também sofria quando meu time do coração perdia o jogo de domingo para o maior rival, contudo aos poucos aprendi que bastava consolar a mim mesmo dizendo que seria melhor ficar em casa estudando para a prova de segunda-feira, ainda que não houvesse prova na segunda-feira.

Nesse começo de vida eu não suspeitava que os velhos estivessem envelhecendo. Talvez porque já os conhecera daquele jeito e acreditasse então que aquela fosse a sua própria natureza. Havia em mim a certeza de que o mundo era do jeito que eu via. Os abricós já eram nascidos, crescidos e davam frutos que eu comia, embora não gostasse.

No máximo, às vezes, sentia que o dia fora difícil para alguém do meu convívio. No entanto, um bom prato de feijão com arroz e uma noite de sono eram o bálsamo daquela existência simples, porém única. O dia seguinte reinava como a promessa de que a vida é grande e que por isso continuaria ainda que sem alguns de nós; e tudo isso sobrevinha sem nenhuma crueldade.

Hoje suspeito que crescer é também caminhar entre escombros de vidas e ainda assim plantar novas sementes e cuidar para florescer novos jardins. Viver é seguir em frente numa estrada de mão única. Podemos reduzir a velocidade, mas nunca nos será dada a oportunidade de voltar.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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