Mudar

Ontem na rua algumas pessoas me reconheceram “E aí, professor!?”, diziam me parando a fim de falar da vida. De alguma forma semelhante todos me cercavam com as mãos ou a bicicleta ou uma alegria eruptiva. Eu demorava a reconhecer cada um deles em seus doces momentos de saudosismo. Via neles apenas ou, sobretudo, a mudança promovida pela juventude. Não os reconhecia de modo algum.

E como esses momentos me foram alarmantes! Descobri, afinal, que nos últimos anos mudara tão pouco que podia facilmente ser reconhecido. Vá lá que havia nisso algo de saudável, porque não acrescentara ao meu curto lote corpóreo um latifúndio adiposo, mas isso agora era o que menos importava. Receava, isso sim, sinceramente, o fato de eu não apresentar grande mudança durante tanto tempo.

Aqueles que me cercavam cheios de cumprimentos e novidades quase que haviam abandonado por completo sua antiguidade. E o que seria isso senão a própria vida? Viver é mudar; transformar-se; reinventar-se. Viver é não parar de fazer a si mesmo.

Continuei caminhando. Estou vivo, sim. Mas onde estaria minha mudança? Cheguei a duvidar do sangue que corria nas minhas veias. Continuei e o frescor da noite que corre pela beira desse rio veio me avisar que de muitas formas um sujeito se transforma. A cada tempo uma pessoa se modifica, às vezes é por fora outras é por dentro. E as hierarquias são construções.

Sem dúvida estou mudando também. Agora meia hora de vento nas noites de maio enferruja minha garganta. Coisa do rio, coisa da serra? Não. Coisa minha que mudei e nem sabia.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

Você pode gostar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O limite de tempo está esgotado. Recarregue CAPTCHA.