Os artistas e os lobos

Foi em um tempo moderno quando fogueiras eletrônicas iluminavam apenas o que se colocava a sua frente. Quando as pessoas não se sentavam mais em roda. E era um tal de um atrás do outro porque somente o primeiro ganhava o ouro.

Foi nesse tempo em que a beleza andou cautelosa. Espreitando pelos sovacos dos muros. Temerosa sob as pálpebras duras e remelentas das marquises. Ora, porque se tornara perigoso ser belo. E vejam só em que trabalho árduo se punha quem procurasse ver moça ou moço bonito! O lobo andava solto e cínico se sentava nos bancos da praça fingindo ler as notícias de todos os dias desses jornais velhos cujas tintas descobrem nossas digitais e encobre nossa alegria.

Quem trazia beleza passou a disfarçá-la dentro de uma calça esquisita ou um camisão largo e duro incapaz sequer de esvoaçar pelo corpo. Deviam ser todos feios. A feiúra era ingresso para uma vida sem incômodos. E foi nesse tempo moderno e trágico que a moça e o moço bonitos foram tratando de se enfearem. E assim o fizeram, no entanto a vida do mundo foi murchando e enrugando como se fosse a casca de um jenipapo maduro que a ninguém seduz.

Se ao menos o lobo devorasse alguns porquinhos. Mas não! Seu propósito era deixar que todos vivessem, desde que preferissem a feiúra.

Aos poucos foram restando apenas esses artistas que abriram suas portas e assinaram suas obras. Esses artistas que inventaram muitas belezas diferentes e confundiram o lobo.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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