Vestiu o short ainda que duvidasse do comportamento dele. Foi por isso que para se sentir no controle pôs um cinto sufocando-lhe o cós. Olhou-se no espelho, girou pra lá e pra cá. Gostava daquela peça azul clara e também da comodidade e da segurança dos quatro bolsos simulando cofres ambulantes. Saiu do apartamento, entrou no elevador vazio e se apreciou novamente no espelho girando pra lá e pra cá. Gostava daquele short.
Na rua andou até o ponto e sentiu que o cinto punha cabresto nas vontades do tecido. Mas foi quando desceu do ônibus que o short então acordou monstruosamente. Subia pela cintura querendo engolir o umbigo – e a moça o puxava para baixo -; cavava espaço na virilha e penetrava urtigante pelas dobras e ranhuras da pele – e a moça o puxava para fora -; eroticamente insistia pela bunda desejando penetrar com as costuras – e a moça o pinçava com toda força que seus dedos podiam acumular -; sei que ela parou de andar e apertou ainda mais o cinto, porém o short ia inflando e se não engolia o umbigo agora por cima, se esfregava por baixo, em tudo o que fosse pele, como uma lixa torturante.
Parou novamente e retirou o cinto. Aliviou a virilha por quatro passos, para logo a frente voltar a ser engolida pelo short azul. A moça puxava para baixo, para fora, pinçava, mas vivia uma agonia a altura de um Prometeu moderno. Mostrava-se nervosa, aborrecida e suada. Já estava próxima do seu destino final, no entanto não dava mais conta disso. Não vislumbrava artifícios para vencer o short que lhe raspava e penetrava a carne de forma tão abusiva. Abriu um botão; tentou andar com as pernas bem afastadas. Por pouco não enfiou a pashmina dentro do short para impedi-lo de tocar na sua pele. Não houve jeito.
A fúria que lhe tomou foi tamanha que sequer o próprio Hércules teria força para fazer o que ela fez: arrancou de si o maldito short e correu. Não porque sentia vergonha, sim pela singular sensação de libertação que experimentou.
Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br
