A moça bonita quer um rapaz que lhe trate bem. Essa moça que é moça, essa moça que é bonita, não tem, é verdade, não tem ninguém. E também já se cansou de ver que tanto lhe olham pelas costas. Parece até que os rapazes se encabulam diante de sua beleza. Mas que bobagem! A moça bonita só quer um rapaz que lhe trate bem.
A moça bonita olha. Há outra moça ali que não é feia, mas também não é bonita. E é dessa que um rapaz se aproxima e ocupa o lugar antes vago no banco do ônibus. O rapaz não tem medo e por isso exclama “Que calor!”. A moça nem feia nem bonita confirma o fenômeno natural e passa a ter companhia na viagem.
Enquanto isso a moça bonita não só fica sozinha como é um dos últimos passageiros a ter companhia no assento ao lado. A moça bonita se sente como um velho e sujo andarilho de quem ninguém tem a coragem de se avizinhar. Ah, como é difícil ser moça bonita nesse mundo!
Há uma blitz. Um policial entra no ônibus, caminha coronelicamente pelo corredor e olha para os passageiros, entretanto sequer perde um instante com a moça bonita. O ônibus segue. Uma senhora se levanta dá sinal e sua sacola se rasga espalhando frutas e legumes; logo os passageiros saem à cata das cenouras e laranjas que superlotam o espaço. A moça bonita fica bloqueada em seu assento e não alcança um rabanete sequer para ajudar. Como é difícil a vida da moça bonita!
Não demora e o engarrafamento engole carros e ônibus. Os passageiros feios e até os simpáticos praguejam em voz alta, pois praguejar se torna consensual. No entanto quando a moça bonita encontra um pedaço de silencio entre as reclamações e emite um ‘Que merda de engarrafamento.” todos abrem os jornais, ligam os celulares, olham pelas janelas.
É que julgam um absurdo uma moça bonita dizer algo tão feio.
Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br
.. Adorei sua menção a “moça bonita”. Sem falsa modéstia, já vivi essa situação algumas vezes, por ser somente “bonita”.
Abç, Anna