A moça espia

Todos os dias espiava pela janela. Mas não pensem que fazia com o intuito da fofoca perversa – porque tem fofoca que conforta e agrada. Claro que ela sabia do divórcio recente. Porém nesse período sequer dera uma espiadela, embora ficasse tentada. Era um rapaz jovem, já a ex-esposa essa sim parecia mais velha. Não espiara antes porque não era chegada ao voyeurismo. Além do que, não cobiçava se interessar por rapaz casado. Não por questão moral. E sim por causa da vontade: sendo ele casado a vontade dela seria sempre revogada pela da esposa. Confuso o caso, não? Mas é que esses casos são sempre assim.

Fato que atualmente todos os dias ela espiava pela janela. Afinal, estava tudo a seu favor: era verão e o rapaz, agora solteiro, abria toda casa tanto quanto o peito nu; e ela com tanto açúcar em casa e nenhuma intenção de fazer bolo. Ouviu a campainha, um embrulho, era pizza, tilintar de garrafas de vidro, era cerveja. Pensou que ele podia estar esperando por alguém. Pensou até que ele podia estar começando a oficializar a amante. Será que ele tinha amante?

Não chegou ninguém. Ele comia a pizza, bebia a cerveja e assistia a um jogo de basquete na TV. E ela em casa, sem comer pizza, sem beber cerveja, sem assistir ao basquete. Começou a achar que era uma questão moral. Achou melhor esperar por um encontro casual.

Pediu pizza e cerveja. Mas não assistiu ao basquete. Nunca gostou muito de basquete e tem coisas que só mudam na gente em função da presença de outra pessoa. E espiar ainda não é ter.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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