“A vida que ninguém vê”

“O mundo é salvo todos os dias por pequenos gestos. Diminutos, invisíveis. O mundo é salvo pelo avesso da importância. Pelo antônimo da evidencia. ”

Com essas palavras a jornalista Eliane Brum inicia o primeiro conto de seu livro-reportagem “A vida que ninguém vê”, lançado por Arquipélago Editorial.

O livro todo é um soco no estômago e nos faz refletir sobre pessoas que circulam entre nós e que são absolutamente invisíveis em um mundo que valoriza o ter ao invés do ser. Nesse mundo circulamos nós que somos letrados e temos acesso a esse jornal e à essa coluna de opiniões, bem como o sr A. E é sobre ele que gostaria de falar.

No dia a dia é o responsável por recolher o lixo dos muitos consultórios que funcionam onde funciona o meu. Ele é calado, taciturno, circunspecto. Nunca o vi sorrir e nunca havia ouvido sua voz. Sempre calado, segue seu dia, faz seu serviço, vai embora e ninguém o nota. Certo dia o vi atravessar a rua, na faixa de pedestre, sem o uniforme do trabalho comumente usado. Ele ia em um sábado pela manhã para onde não sei, mas seguia. Arrumadinho e penteado.

Na segunda-feira resolvi comentar que o havia visto. E que tinha gostado da roupa, pois só o via com o uniforme. Disse que ele estava muito bonito.Muito elegante!

E isso foi o bastante para, doravante, todos os dias ganhar um sorriso, um bom dia e um comentário sobre o tempo ou sobre a temperatura do lado de fora.

Deu-se o milagre: apenas um elogio, um aperceber e já sei como ele sorri, já conheço o som de sua voz e recebo boletins do tempo duas vezes por dia.

Assim me salvei, pois ganhei uma pessoa que me percebe, que me mantém informada e se importa que eu saiba mais, uma vez que a clausura do trabalho me rouba do dia. E roubada do dia, me vejo invisível de todos.

Feliz natal!

Ângela Alhanati
contato@angelaalhanati.com.br
Livre pensadora exercendo seu direito à reflexão

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