A natureza corre por aqui

Ontem a chuva açoitava minha janela. O vento era inconstante, dançarino e tinha uma enorme força de viver. Alguns postes, em razão do tempo áspero, preferiam se fingir de mortos. E assim a noite anoitecia muito mais. Contudo, como as nuvens eram grossas não se via uma estrela sequer no céu. Ninguém arrumava muita coisa que fazer fora de casa. E bastava uma pequena semente de pessimismo para se crer que tudo estava perdido; que era tempo de inverno, de rigor, de escuridão, de infertilidade. Até as árvores pareciam sofrer. Seus galhos e folhas envergados, subjugados pela tempestade majestosa. Os cachorros não se atreviam a latir e eu ficava pensando em como estariam os pássaros e seus ninhos. Não demorei a dormir.

Fui despertado pelo sol na manhã seguinte. Não havia vestígio da tempestade. As janelas estavam secas e a brisa soprava fresca e perfumada. O gramado estava verde e falante e nas ruas os postes haviam sido bem lavados, estavam como novos, com um aspecto jovial. No alto um céu todo azul, de borda a borda. Uma superfície lisa e polida, sem um grãozinho de poeira sequer! Meus poucos vizinhos já estavam todos pelos quintais e calçadas. Tinham tanta coisa para fazer! Os cachorros latiam, acho que era um preá do mato que correra pelas cercanias. E por toda parte, cantavam os pássaros.

Há quem diga que nada permanecerá além da mudança. Nenhuma tempestade terá a força de uma vida inteira, por mais escura e rigorosa que seja. É preciso se encantar e aproveitar o sol de hoje, pois ele também mudará! E não passar os dias remoendo a tempestade que nos encarcerou ontem. Quem ensina isso é a própria natureza, na qual nada permanece eterno senão a mudança.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

Você pode gostar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O limite de tempo está esgotado. Recarregue CAPTCHA.