Café

Chamou-me a atenção o desenho no fundo da xícara. Um arbusto. De folhas longas e amassadas. Cevado vegetal de um verde empoeirado. E era repleto de galhos despenteados. E também de cachos de grãos carnosos; tão duros que pensei fossem de louça. Ao pé do arbusto um pó preto; que eu sabia ser terra, terra dita boa.

Era o desenho de um cafeeiro finado, pois destituído de aroma e sabor. Morto porque era apenas uma representação em um fundo branco, duro e frio de xícara plantada em pires. A vida do cafeeiro não está na borra; está no grão: ressecado e pequeno pedaço de fogo. Mulato adormecido de um vermelho breve.

Entretanto a imagem me afligia a memória. Sentia na ponta larga do olfato um aroma de terra adocicada. No fundo escuro e cavernoso da língua um paladar levemente amargo. Via, de olho grande, a leve fumaça levando bobamente a água evaporada da xícara cheia de café quente. Assim sendo, a borra me induzia ao café. Fazia da xícara seu miúdo teatro de arena e representava. Enquanto eu, espectador deslumbrado, sentia-me saboreando novamente, em ato, um delicioso café.

Cena rematada, por emoção ou loucura, eu batia palmas de pé. Quanta coisa pode se passar no dentro de uma xícara de café!

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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