Violão

Aconchegado sobre as coxas do moço tocador o violão olhava ao redor. Sua cabeça um pouco recuada. Seus cabelos extensamente sinfônicos e bem amarrados apartando tons e escalas.

O moço conversava. Conquanto ancorava o braço direito entorno do corpo do violão. Sentia-lhe as curvas que modelavam ideias maliciosas, cobiçosas. Com delicadeza e paciência vivas, o instrumento, feito estátua clássica de deusa virgem, ficava recostada sobre o cotovelo.

Em posição de canto, o violão aguardava. Por fora, o corpo bojudo assinalado pela cintura fina. Por dentro a graça de uma voz sem palavras, capaz de conversar com sentimentos protegidos e lembranças enclausuradas em alçapões abissais.

Não houve quem pedisse silêncio. Foi a moça passeadeira levantar-se e nada mais restou senão o violão para o moço. Dedilhado o primeiro Sol a gente toda respeitou. Solenes e súditos ouviram a estátua transformar-se em música.

Os dedos finos do moço tocador dedilharam poesias. E o corpo nu do violão vibrou de paixão ao ser afagado. Isso em meio a copos e garfos; pedidos e respostas. Todos faziam reverência ao que convidava o violão. Notas agudas libertas até serem puxadas pelo baixo grave que não as permitia perderem-se nas lonjuras da noite.

Havia quem balbuciasse a melodia. Que oração é essa tal a profanar o presbitério e as lições? Mas o violão não nos pode responder.

Talvez o moço tocador nos ajudasse. Contudo o moço tocador, meus amigos, esse está a esperar a resposta da moça que há pouco se levantou e ainda não retornou.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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