A cidade está viva

A mulher com a perna esquerda tatuada corre no cedo da manhã. O homem chinês, sentado na varanda do seu apartamento conjugado, fuma um cigarro bem encaixado em uma piteira prateada. A mãe vai ao mercado empurrando o carrinho rosa de bebê. O rapaz espera o sinal abrir, mas tem a pressa nos olhos. Em frente à agência bancária a fila reclama seu próprio tamanho. Pela calçada vão os meninos com seus uniformes escolares e suas conversas altas. Um ônibus faz a curva e o senhor que vende queijo chega à esquina com seu carrinho ambulante e seu cansaço estático. Através da porta do restaurante sai um cheiro maravilhoso de farofa com cebola. Na floricultura uma moça borrifa água nas plantas cuidadosamente exibidas. Uma senhora pede esmolas de um lado da calçada e do outro um médico, ao telefone, diz que é melhor manter a medicação. Notícias sobre mais uma delação premiada nas capas dos jornais atrai um enxame de gente. O cadeirante olha e lhe agrada a empada na estufa da lanchonete, entretanto para matar a fome precisa subir um degrau. A menina vem alegre com o seu cachorro, mas acontece que ele resolve abandonar seus dejetos. Os pombos estão bem no centro da calçada principal. O vendedor de picolé passa e grita “Olha aí o picoooolé”. Chora a moça loira. Sorri o cigano com seus dentes dourados. Uma família inteira entra no carro em direção ao cemitério. A cigarra canta e há quem diga que assim anuncie o tempo de amanhã.

A cidade está viva em cada uma das suas possibilidades.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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