Difícil manhã

Foi o irmão mais velho quem chegou bem cedo. Vestia uma roupa formal, mas não trazia uma expressão festiva. Chamou baixo porque deveria chamar. Ocorria que lhe incomodava acordar àquela hora da manhã, sobretudo para dar a notícia que trazia nos olhos aguados.

Era dia de domingo. E ninguém na casa estava preparado para fazer nada com rapidez. O café da manhã não tinha hora. Por isso podia se avizinhar amigavelmente do almoço. Ele entrou pela varanda, ajeitou a gola, abaixou a cabeça e quem veio ao seu encontro esperou pelo pior. A vizinhança demorou para saber quem havia morrido. Como as crianças ainda dormiam, o choro foi contido e abafado no algodão dos lenços.

Vestiram-se todos igualmente formal como o irmão mais velho. Não tiveram tempo de dar bom dia. Por um instante sentiram muita dificuldade em crer como aquele poderia ser um bom dia. Entraram nos carros conferindo endereços e documentos e, ainda que se comunicassem, o faziam no mais leve sussurro. Não é fácil entender a morte quando ela acontece no agora.

Aos poucos as crianças foram acordando. E apostando que a presença do tio trouxesse consigo um dia inteiro de brincadeiras e diversão. Entretanto, como as expressões não retiniam sorrisos persistentes, elas queriam saber o que acontecia. Perguntavam. E perguntavam novamente. E nesses instantes os adultos se sentiam como realmente são: embarcações navegando no caos infinito, sem poita ou âncora. Pois eles também não sabiam o que acontecia. Não sabiam nada sobre a morte, contudo prometiam: assim que estivessem um pouco mais conformados falariam de algum mito, de algum conto de fadas, de alguma verdade inventada para disputar espaço com essa difícil manhã de todos.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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