Sem vocação para cupido

No ônibus o rapaz queria saber o nome da moça. Subia gente, descia gente. A moça percebeu que o rapaz lhe dava atenção principal. Mas na rua passava um homem e ela demorou a observá-lo. Não era bonito. Seguia sobre a bicicleta, uma mão no guidão, outra na ponta do cabresto de um cavalo baio de rabo e crinas muito longas que o vinha acompanhando sem reclamar; trotando manso pelo asfalto arruinado da cidade.

O rapaz talvez gostasse de cavalos, porque também o admirou. Entretanto julguei que estivesse com raiva do pobre animal que desviava a atenção da moça.

Audacioso aquele rapaz. Ou carente, vá saber. Num breve instante me olhou querendo que eu representasse o garçom de um restaurante a quem pudesse pedir para entregar um bilhete com a pergunta: Posso sentar no lugar vazio ao seu lado? Achei melhor também olhar o homem sobre a bicicleta que trazia o cavalo baio pelo cabresto. Certa vez me contaram uma história de um garçom atacado por um marido que ao voltar do banheiro encontrara sua esposa lendo um bilhete. Achou que a culpa era de quem o trouxera.

O ônibus se esvaziava. De modo que eu, a cada parada, era o melhor pretexto para o rapaz dizer alguma coisa. Fugindo dele, pois temia ser o garçom, me levantei e fui para o lado da sombra. Porém, rápido como um cavalo selvagem, ele me perguntou se eu sabia da rua tal. A moça olhou. Então, antes que eu dissesse não saber, ele a perguntou também; daí rapidamente passei para o fundo do ônibus, próximo à porta de saída. Afinal, é bom estar preparado para uma emergência.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

Você pode gostar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O limite de tempo está esgotado. Recarregue CAPTCHA.