Meu próprio armagedom

Fui caminhando em direção à tempestade. Não por rebeldia ou porque resolvesse apresentar à cidade uma demonstração fatual de coragem. É que meu destino ficava logo abaixo daquela parte da cidade já inteiramente dominada pelas nuvens negras.

Não havia possibilidade de desviar por uma rota secundária ou buscar um atalho por entre a floresta. Primeiro porque estava a pé e a rota secundária tinha o dobro de quilômetros, segundo porque aqui não havia mais qualquer floresta – como nos contos de fadas – para me livrar com sucesso da rota principal.

Era ir em frente e chegar. Sem dúvida as calçadas eram rasgadas por passadas largas e rápidas. Também o vento varria o lixo e as saias das moças. Alguns sujeitos, dentro de seus paletós e privilégios, saiam logo do trabalho. Queriam chegar a casa antes da tempestade. Outros, fora do ambiente refrigerado e do cafezinho farto, sabiam que hoje, só chegariam bem depois.

Ainda que distantes zuniam relâmpagos de mil pernas. Agora o vento fresco afagava meu rosto e as sombras dominavam até mesmo aquilo que não estivesse debaixo das árvores da beira rio. Toda população da cidade que estava pelas ruas vinha de encontro a mim. Eu ia pelo contra fluxo, parecendo, inclusive, que caminhava rumo ao apocalipse; que estava inconsciente dos meus passos; demente de minha razão. Sentia-me como um desses personagens heróis de um filme de ficção estadunidense onde o mundo segue se acabando como um barranco que se despedaça.

Mas não era nada disso, meus amigos! Na verdade eu ia apenas trabalhar. E era de lá que vinha o armagedom!

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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