Histórias de contos de fada

A menina ouve as histórias de contos de fada. Tem os olhos acesos e seus lábios se movem em silêncio embora queiram dizer o pensamento; entretanto como a atenção corre pontual por trás dos enredos que se desenrolam, as palavras não vazam. As palavras se contêm, se desmancham, se justapõem; mas ainda não vazam.

Daí a pouco, um virar de página, e a história oferece o monstro. Suas intenções duvidosas, sua pele asquerosa, seus olhos sem beleza. Tudo diz à menina o que ela deve dizer. Afinal, não se deve gostar dos monstros. Eles nasceram para ser repelidos e nas histórias dos contos de fada eles são maus por natureza, porque a natureza assim os teria feito.

A menina quer saber por quê. Porque a natureza fez o monstro? Tão difícil dizer alguma coisa. Pois a natureza não parece que fez o monstro. Porque quem fez o monstro, esse sim, fez também as histórias de contos de fada. Mas porque o homem teria feito o monstro? Sinto-me como o pai da Mafalda em desespero por causa de uma pergunta curta feita com os olhos mirando dentro dos olhos.

Digo que não sei. Continuo a história, porém dessa vez as palavras da menina vazam e ela busca me confortar. Diz que se chegar um monstro aqui – feito por algum homem – ela o irá bater com o bambolê na cabeça. E em seguir ordenará que aqui não podem entrar monstros feios e chatos.

Dou um sorriso e como meu rosto relaxa, ela me diz por fim: Não se preocupe papai, não deixarei que nenhum monstro entre aqui. Pode continuar lendo a história sem medo.

Eu acredito nela. E continuo a leitura.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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