QUEM PENSA? “É altamente preocupante”

Ouvi esta frase de um especialista que analisou a capacidade de médicos recém-formados no país. E não há como discordar. A formação dos médicos ganhou destaque essa semana por conta da prova do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Segundo notícia do jornal Estadão: “Quase 60% dos recém-formados em escolas médicas de São Paulo não atingiram o critério mínimo do exame do Cremesp. Isso quer dizer que 1.684 de 2.843 médicos acertaram menos de 72 das 120 questões da prova (60%) aplicada em novembro do ano passado. O resultado foi considerado “ridículo” pelo coordenador do exame, Bráulio Luna Filho. ‘Nós, do Cremesp, queremos que esse profissional (reprovado) volte para a escola. O maior problema é que, assim que recebe o diploma, o aluno deixa de ser responsabilidade da faculdade e se torna responsabilidade do conselho’, disse o coordenador que vai ficar querendo que eles voltem, porque na realidade não passar na prova não é requisito para que estes “médicos” não exerçam a profissão.

É isso mesmo, ainda que os “médicos” não saibam responder que a tosse é um dos principais sintomas da tuberculose – foi uma das perguntas – eles não são impedidos de atuar. É ou não preocupante esta situação? O problema da falta de qualidade na formação profissional não é exclusividade da área médica. Infelizmente, em todas as áreas temos exemplos que comprovam as deficiências das escolas brasileiras, sejam elas privadas ou públicas, umas mais outras menos. Umas que colocam vidas em perigo diretamente e outras que vão prejudicando a qualidade de vida e os direitos do cidadão. Muita gente não está nem aí pra isso e outros ainda acreditam que se conseguir fazer uma faculdade seja lá como for  está bom demais. Não está!

A política de Educação no país está longe do que idealizamos é verdade, na última década é que conseguimos ampliar o acesso e reduzir a evasão, mas ainda estamos longe de alcançar a qualidade necessária tanto na formação básica como na graduação. A pós-graduação que antes era considerada privilégio de poucos tornou-se rotina para aqueles que minimamente consideram importante a vida acadêmica ou acreditam ser condição de sucesso profissional, mas a facilidade de cursar uma pós não veio acompanhada de uma formação que garanta a excelência. A formação lato sensu é oferecida com tantas facilidades que chego a desconfiar, em alguns casos, de sua complementação e extensão necessárias à área escolhida. Talvez, cursos rápidos e complementares valham mais. Mas ainda assim, considero que a oferta deficiente é melhor do que a ausência, pois aumentam as chances da possibilidade de ampliar e consolidar a qualidade idealizada e necessária.

Até os cursos de pós-graduação stricto senso deixaram de ser privilégio dos “seres especiais” e tornaram-se uma realidade para os brasileiros. Onde que alguém da então chamada “classe média” tinha condições de cursar um mestrado ou doutorado. Esta formação há alguns anos era apenas para os que tiveram oportunidade de cursos de formação básica de excelência, pertencentes a elite brasileira. Quando alguém fora deste eixo se destacava virava notícia de jornal como ícone do esforço do pobre brasileiro que luta por um lugar entre os deuses. Isto mudou. Avançamos e podem torcer o nariz para o PT, Lula e companhia, mas a política pública do governo petista fez toda diferença nesse sentido de dar oportunidade, de dar acesso. Sobre os cursos stricto senso, em dezembro do ano passado, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) divulgou que apenas 406 programas de pós-graduação no país, ou seja, 12% dos programas avaliados nos últimos três anos, receberam conceitos máximos 6 e 7, que equivalem a um padrão de qualidade internacional. Dado preocupante sem dúvida, tanto quanto a formação dos médicos que começamos a falar no início deste artigo. As informações estão na página da Capes e considero importante que as pessoas antes de pagarem ou tentarem uma bolsa para cursar sua pós graduação se informem da avaliação desses cursos. Os destaques positivos na avaliação da Capes foram: a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Unicamp, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Todas públicas.

Preocupante é também, nos cursos superiores, a obrigatoriedade de um currículo de formação profissional em detrimento da formação humanística. É compreensível que os cursos passem por adequações às exigências do mercado, e até priorizem a carga horária numa matriz técnico-profissional, mas é preocupante a redução drástica de carga horária das disciplinas humanísticas, assim como a ausência de abordagem teórica dos próprios professores em suas disciplinas consideradas práticas. A maior parte dos acadêmicos tem foco no mercado e compra a ideia da formação técnico-profissional e o resultado, na minha opinião, é o que a Capes mostrou em dezembro passado. Sou resistente e luto para que a Educação não continue se entregando à lógica capitalista que determina currículo e programas de pós-graduação a partir dos interesses dos que dominam a força de produção. Tento até de forma quixotesca falar isso em minhas aulas de Teorias da Comunicação, compartilhando elementos críticos que colaborem com o debate e quem sabe, uma pequena transformação social. Luta que segue.

As novas propostas de formação superior preveem a especialidade, direcionar competências e habilidades. Ok. Ninguém mais se perde no sonho da totalidade do conhecimento, mas a desarticulação existente hoje entre teoria e prática é de arrepiar os neurônios. Acadêmicos ávidos por prática, estágio e distantes dos contextos históricos, culturais, políticos e sociais e o sistema, que deveria ser um processo, cumprindo seu papel de oferecer aquilo que o mercado quer, por outro lado, é verdade que a teoria distante da realidade social não será aplicada na prática. E é aí que mora o segredo. Diz o mestre Freire: “A teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade”.

A proposta deste artigo não é engrossar o blablablá sobre a importância da Educação, assunto tão clichê entre políticos e demagogos, mas realmente colaborar para uma discussão que comece na teoria e nos leve a resultados mais positivos nas provas de competência dos diversos cursos deste país. E termino (ou começo?) com Paulo Freire: “Acreditamos que a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressiva, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho se não viver a nossa opção.

Encarná-la, diminuindo, assim, a distância entre o que dizemos e o que fazemos”. Agora sim, vamos à prática.

Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

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