Jardim pra ver

Vieram do norte. Os filhos iam estudando, outros parentes trabalhando. Eles estavam já aposentados. Trocaram um sitio pela vida nessa parte mais televisiva do país. Não caberiam em um apartamento, isso era um fato sobre o qual sequer alguém assuntava. Acharam então um condomínio de casas. Não era o sítio, mas havia um pedaço de quintal. Os parentes, percebendo a ligeira simpatia deles com o local, trataram de pressionar para fecharem o negócio. Aceitaram e logo atrás veio a mudança.

E assim foram morando: caminhando pelas manhãs nas áreas comuns que rodeavam os espaços privados, conversando rápido à tarde, na calçada, quando os moradores voltavam do trabalho. Perceberam que os jardins brotavam do dia pra noite com palmeiras de três metros de altura. As pedras brancas que circundavam os canteiros de lírios jamais rolavam. E os gramados – abençoados! – sequer sofriam a praga de um formigueiro faminto.

Um dia, conversando com a vizinha, essa lhes ofereceu o telefone do paisagista. E propagandeou que ele havia planejado também o jardim do Franciano Bulque, um famoso apresentador de televisão. Mas e as crianças? Elas não brincam no jardim? Foi a pergunta que fizeram a vizinha.

Pois bem, não demoraram a saber que as crianças de quatro e cinco anos e meio tinham dever de casa todos os dias – ofertados pela escola – vídeo game e televisão com muitos canais. Decidiram então que fariam do seu jeito; independente do jardineiro do Franciano Bulque. Um grande gramado onde as crianças passavam as tardes correndo, rolando e jogando bola.

Numa tarde quente o neto do meio chutou e a bola quebrou o vidro da janela dos vizinhos. Tivesse ele melhor pontaria e desarrumaria aqueles canteiros falsos, coisa ridícula!, pensou a avó antes de ir se desculpar.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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