Era um encontro de amigos

Era um encontro de amigos que partilharam momentos felizes da infância em um fim de semana na encantadora cidade de Paraty, Rj, e nunca mais se separaram. De repente, estávamos sentados no banco da pracinha e iniciava-se um silêncio bucólico e perturbador. Os amigos já esticavam as pernas cansadas de tanto se equilibrarem nas pedras que calçam as ruas e bocejavam, desejado uma cama macia para o descanso do corpo maltratado pelo dia intenso. Foi então que pensei em distrai-los.

Levantei-me, tirei minha aliança e provoquei: vamos brincar de “passa anel”! Com surpresa observei os amigos sem resistência alguma ao meu pedido colocando as mãos juntas em forma de prece frente ao corpo, à disposição para a brincadeira. Começamos. Foi muito interessante ver o divertimento tomar conta de todos e uma energia renovadora contaminar aqueles senhores e senhoras de meia idade. Dali a pouco estávamos às gargalhadas diante dos erros, acertos e tentativas de blefe.

As pessoas passavam e olhavam com sincera curiosidade. Os que tiveram a experiência na infância sorriam e contemplavam demoradamente, parecendo querer entrar para a brincadeira também. AS crianças foram mais explícitas, pois não só se aproximaram como perguntaram e expressaram o desejo de se juntar a nós.

Como o lugar estava ficando pequeno, propus a brincadeira de “batatinha frita 1, 2, 3”. Foi hilário ver meus amigos de poucos cabelos e corpo avantajado pelos anos vividos não permitir que as limitações da idade lhes impusessem também uma limitação ao divertimento. Eles se soltaram e, inebriados, viraram crianças outra vez.

Então pergunto: por que deixamos a criança que existia em nós morrer ou se perder? Se a brincadeira é um convite ao divertimento, ao se soltar, ao descontrair, por que preferimos não nos divertir, ficarmos presos e contraídos na agenda pesada e intensa dos dias ou dentro da roupa apertada da vida adulta e cheia de responsabilidades? Por que não nos permitir um pequeno retrocesso a um tempo em que éramos felizes apenas por estarmos no mundo, sem muita reflexão e pensamento crítico, leves e criativos?

Por que permitimos que o encantamento que as brincadeiras da nossa infância nos causavam se apagassem em nós? Por que autorizamos uma maturidade castradora, cheia de convenções e cheia de restrições se apossar, exterminando a pureza da entrega deliberada e deliciosa que um dia experimentamos e que nos deixou tantas marcas de sincera felicidade?

Por que não nos permitimos a leveza e nos retraímos ao limite por vezes, só para não denunciar a graça e o sabor de uma aurora simples, ingênua e feliz?

Onde queremos chegar com o sustento da complexidade que trazemos para a nossa existência?

Se procuramos incansavelmente a felicidade, aqui está um caminho curto e certeiro: permita-se ser criança outra vez por alguns minutos. Se assim for, que seja intenso, sincero e honestamente pueril.

Ângela Alhanati
contato@angelaalhanati.com.br
Livre pensadora exercendo seu direito à reflexão

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