Não era muito tarde quando chegou. Era apenas inverno, quando às sete da noite sopra um ar frio e o negrume do céu, ainda que cheio de estrelas, desce a terra e envolve tudo o que vive. Abriu a porta, entrou e deixou todo resto como estava antes: fechado. Não havia motivo para alvoroço, convites, tampouco janelas abertas para olhar a rua.
O inverno lhe causava um sentimento de desconfiança. Talvez fosse em razão do silêncio. Nessa época acreditava que as pessoas dormiam mais, se fechavam mais e falavam menos. Enfim, julgava que todos se invernavam. Era uma avaliação, talvez precipitada, com base apenas no que ele mesmo queria saber e ver. No inverno ele passava a desconfiar mais das pessoas. Desconfiava da reserva delas. Pois quando no verão o bar da esquina ficava apinhado de gente até a madrugada, ele dormia tranquilo, ainda que com o barulho incessante da juk box. Tudo porque acreditava saber exatamente o que as pessoas estavam fazendo. Ouvia suas conversas, seus brindes, suas brigas. E acreditava então viver uma época previsível. Enquanto no inverno o bar era apenas a voz da televisão.
Pensava assim e acreditava que todos pensavam também quando algo fez bater o portão. Saiu com olhos arregalados. Abriu a porta da sala e além da rua deserta, percebeu apenas o vizinho a janela. Que fazia ali àquela hora? Sequer considerou a possibilidade dele também ter ido olhar o que acontecia.
Achou que havia algo de errado. E que o melhor era ficar acordado, atento, vigilante.
Afinal, acreditava que no inverno, o problema era sempre os outros.
Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br