Depois da Morte de C.M.M.L.

C.M.M.L. era sujeito sério. Funcionário de empresa em cidade de larga poluição. Pontual ao empunhar o cartão de ponto era respeitado inclusive pela gerência que, mesmo sem graça, em momentos de desespero, pedia-lhe opinião.

Era claro, relatam os contemporâneos de C.M.M.L., que havia quem dele debochasse as escondidas. O que não passava de inveja diante da envergadura moral daquele. Sentimento esse que cresceu desde quando ele comprara sítio num sossego distante uns 100 Km. Lugar para descanso não fosse sua personalidade prática e irrequieta; sua alma inventiva e sua disposição infindável para o trabalho.

E dizem que a família não se agradava tanto as visitas no sitio. Pois lá o descanso se rachava de afazeres. C.M.M.L. era inexorável ao distribuir funções: desde molhar a grama até os assombrosos concertos dos telhados a metros e metros das espreguiçadeiras – as que menos trabalhavam. E não havia grau de parentesco pelo qual alguém se safasse. Cunhado, irmão, genro, primo, filho, esposa, mãe, sogra. Ninguém passava sem deixar gota de suor. Pobre C.M.M.L. de tanto fazer do sítio local de trabalho, frequentava-o cada vez mais sozinho.

E não adiantava lhe dizerem que tal serviço era pesado ou que o sol do meio dia era forte. Pois isso C.M.M.L. desconsiderava. O que não suportou foi o acidente estúpido atravessando a rua em frente à empresa. Não houve parente que sugerisse o que fazer com a casa. E a viúva disse que venderia tudo.

Mas o tempo passou e descobriu-se que o lugar era bom para abrigar festa, para descansar nas espreguiçadeiras, para esquecer-se de se preocupar. E foi assim, dizem, que o sitio nasceu de um jeito novo: carnavalesco.

Rafael Alvarenga
escritor e professor de filosofia
www.blogspot.ninhodeletras.com

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