Tantos assuntos durante a semana e todos de relevância, me traz até o início dessa primeira linha a dúvida sobre o que discorrer no editorial dessa semana. As manifestações em Resende e todo o país, a falácia do governo Rechuan na redução das tarifas de ônibus, o despreparo da Polícia (sarcófago) Militar, a desinformação e a desonestidade de muitos que gritam por uma país melhor, a esperança romântica de outros diante de uma reação confusa, uma denúncia de corrupção que talvez seja o “futuro começado” do prefeito de Resende, a morte (ou quase) de Nelson Mandela, cujo simbolismo de morte não está expresso no parar de respirar, ou seja, assuntos não faltam, as variáveis temáticas também abundam, e observando um pouco de tudo, às vezes compreendendo o processo de algumas particularidades deste momento que vivemos, e às vezes, sem entender “porra nenhuma” (explico “o porra nenhuma” nas próximas linhas) ouso aqui a compartilhar algumas impressões sobre o quanto a cidade de Resende é conservadora e refém.
Falar que Resende é conservadora e ainda respira, aqui e ali, ranço militar não é novidade, mas o que espanta é observar a chamada nova geração representativa (com alguns integrantes de gerações passadas, é verdade) endossando práticas repressivas e o que preocupa é a omissão da sociedade de um modo geral sobre temas que envolver instituições que usam o “emprego da força”, como as polícias. Ouvi pais, cujos filhos se alinham aos movimentos, afirmar que os “vândalos provocam, estão pedindo pra apanhar”; ouvi advogados dizendo que as pessoas não podem xingar, alguns até afirmaram que xingar é crime. Por favor, não riam, mas realmente li isso em comentários do Facebook em que participo. Uma clara tentativa de desqualificar os movimentos e a revolta legítima dos manifestantes quando são acuados, porque se existiram excessos por parte dos manifestantes em Resende, foram provocados pela Polícia Militar.
Desde o ano passado, que já entendimento que o chamado “desacato a autoridade” será discriminalizado no novo código penal passando a poder ter entendimento de injúria. Logo, injuriar alguém, com ou sem farda não dá poder para descer o porrete ou descarregar tubo de spray de pimenta na cara de ninguém. Que os injuriadores sejam processados e então responsabilizados por seus atos, mas isso não dá poder à Polícia para bater. Apoiar este tipo de ação é permitir o flagelo dessa cultura se consolidar, quando vivemos tempos de dissipar esses fantasmas.
Como disse um manifestante, “a violência não vai calar as vozes das ruas”. Não vai mesmo! As chamadas autoridades devem acordar também e perceber que os tempos mudaram, a sociedade precisa deixar de ser refém e manifestar-se contra esses abusos, porque são abusos que a Polícia vem cometendo não apenas nas manifestações, onde estudantes e filhos mais privilegiados estão presentes, mas a violência que permanece rotineiramente com balas de verdade nas periferias da cidade, na truculência das abordagens covardes dos policiais que param adolescentes e jovens e dão tapas na cara quem sabe para se acharem um pouco aqueles personagens dos enlatados americanos.
Fico preocupada quando vejo o despreparo da grande maioria dos policiais e outros agentes de segurança como os guardas municipais. Uma cena no mínimo constrangedora, na sessão legislativa do dia 25, na Câmara de Resende, revelou o quanto esses agentes desconhecem a palavra “servidor público”. Mas pior que o guarda municipal que agrediu (ele agrediu) um cidadão embriagado dentro do plenário em plena sessão, foi o silêncio tumular dos vereadores que assistiram a ação e o destempero do guarda sem evitarem o desfecho que teve. Por que não intervieram no momento da falta de argumento do guarda que resolveu colocar o cidadão pra fora do plenário aos empurrões e que acabou o levando ao chão? Com exceção do vereador Pedro Paulo Florenzano que esboçou um “não faça assim não, assim não”, os outros seguiram numa assistência conivente e desastrosa para a chamada Casa do Povo. É sobre isso que falo: se existe o despreparo, existe a cumplicidade de parte da sociedade e destes que nos representam para a permanência dessa forma de agir.
O cidadão que estava embriagado depois de ouvir a leitura do relatório sobre um projeto com pedido de urgência que chegou do Executivo falou em voz alta: “Não entendi porra nenhuma”. O vereador Romério chamou a atenção dele e ele respondeu: “Não entendi porra nenhuma mesmo”. Foi o suficiente para a cena há narrada acima. Com a chegada de estudantes ao plenário, alguns assistiram a lamentável cena, também chegou reforço de guardas municipais. O cidadão colocado pra fora voltou e chorou. Sim ele chorou, ao falar com o guarda que o empurrou: “Você extrapolou suas funções. Você extrapolou suas funções”. O homem embriagado está certo! Essa lucidez que, às vezes, a embriaguez traz é o que falta aos nossos representantes e boa parte de nossa sociedade.
Ana Lúcia
Editora do jornal BEIRA-RIO
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