Para especialista, redução da letalidade policial na PM do Rio vai além das câmeras

Policiais militares começarão a utilizar câmeras portáteis na próxima segunda-feira, dia 16, para o combate ao crime sem abusos ou mortes (Foto: Divulgação/PMERJ)

Marcada na História do Brasil por sua participação em eventos importantes desde a sua criação, em 13 de maio de 1809, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) celebra seus 213 anos tentando recuperar sua credibilidade junto à população do estado.

Recentemente, em uma tentativa de reduzir os abusos e a letalidade policial (mortalidade de pessoas ocasionadas por ações policiais), o Governo do Estado decidiu seguir o exemplo do governo paulista e adotou mais um recurso que colocará em prática a partir do próximo dia 16, três dias após o aniversário da corporação.

É que a partir desta data, policiais militares de 10 batalhões operacionais da capital e interior do Estado estarão atuando com as câmeras corporais em seus uniformes. Para o governo, a utilização das câmeras portáteis faz parte do programa de transparência do governo. Essa tecnologia, além de garantir a transparência exigida pela sociedade, proporcionará aos agentes maior segurança jurídica em suas ações de patrulhamento e abordagem. O investimento foi de cerca de R$ 6 milhões mensais.

No âmbito da Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM), segundo o órgão, todas as unidades operacionais convencionais do estado estarão utilizando 8 mil câmeras portáteis até o final do primeiro semestre deste ano, mas ainda não foi divulgada uma previsão de quando as cidades do Médio Paraíba (que inclui Resende) receberão os equipamentos.

Especialistas na área, entre eles a professora do departamento de segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jacqueline Muniz, em entrevista ao portal da CNN Brasil, a ferramenta será capaz de reduzir os excessos de ambos os lados: os desacatos contra policiais ou o uso de força desproporcional cometido pelos agentes.

Entretanto, a especialista afirma que a segurança pública precisa passar por uma ‘reforma’ para que as irregularidades sejam de fato combatidas. “O uso de câmeras nos uniformes, sim, será uma ferramenta para conter abusos e desacato a autoridade. No entanto, a violência e a corrupção policial só serão combatidas de fato com a aplicação de uma série de outras medidas governamentais, como, por exemplo, a implementação de controle de armamento e gasto de munição por cada agente”, destacou Muniz.

Doutora em Ciência Política pelo IUPERJ, da Universidade Candido Mendes (1999) com a tese “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser: cultura e cotidiano da PMERJ”, Jacqueline dirigiu a Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro também em 1999, e é uma crítica ferrenha da condução do trabalho da polícia por parte do governo estadual.

Para ela, que também concedeu entrevista ao The Intercept Brasil, o uso de câmeras nas fardas dos policiais “não produz o efeito que se quer se não tiver um sistema de responsabilização”.

– Então, tem um conjunto de requisitos para que a câmera de vídeo possa funcionar e não seja engana-trouxa. Quem fala muito de tecnologia também está produzindo ilusionismo, tipo David Copperfield. Ou seja, enganando a população. Porque é como se o problema não estivesse nas pessoas, nem na política, nem na escolha. Basta pôr um brinquedo novo! Isso é abertura para farra de licitações, na base da política feita de mercadores. Temos vendedores e é preciso agradá-los. Como na intervenção militar, eu falei que seria uma farra das licitações no Rio de Janeiro – alfineta a especialista.

Ainda na entrevista ao Intercept, questionada sobre a redução da letalidade policial em São Paulo com o uso do equipamento, ela reitera a necessidade de outras medidas de combate ao crime. “Os resultados positivos, seja de uma câmera de vídeo, ou na viatura, ou quaisquer outros instrumentos técnicos e tecnológicos, dependem do desenho de uma política de segurança que oriente modalidades táticas de policiamento. Uso de câmeras no uniforme só será uma ferramenta útil para conter abuso e desacato à autoridade se você realmente reduzir a violência, a corrupção dos policiais de maneira efetiva”.

Além do novo aparato policial, Jacqueline defende adoção de outras medidas paralelas de combate ao crime (Foto: Daniel Ramalho/Intercept Brasil)

Jacqueline defende que haja, além das câmeras portáteis, a atualização dos protocolos da PM e que estes sejam de conhecimento público; a colocação de um sistema de controle individual do uso da arma e do gasto de munição por cada PM; a criação de um sistema de avaliação profissional de desempenho e de responsabilização que coloque luz do sol nas decisões do policial; a inclusão de um programa de capacitação continuada no uso de força que estabeleça padrão de excelência nas modalidades de tiro defensivo, com os tipos de armamento, inclusive de armamentos menos letais; e, por fim, a implantação de um sistema de registro, de salvamento dessas imagens e monitoramento, auditagem e certificação por tempo superior a seis meses, com a prestação pública de contas e compartilhamento regular desse material com a Defensoria e o Ministério Público.

ALTA DE 9% NA LETALIDADE POLICIAL EM 2021
Segundo reportagem do portal g1, com base em dados do novo relatório do projeto Monitor da Violência, parceria do portal g1 com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Núcleo de Estudos e Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), o Rio de Janeiro chama a atenção, com uma alta de 9% no número de mortes cometidas por policiais. Foram mais de 1,3 mil assassinatos no ano passado. Isso quer dizer que, a cada 10 pessoas mortas pela polícia no país, duas estavam no Rio de Janeiro.

Uma dessas vítimas foi o jovem Guilherme Martins de Oliveira, de 20 anos. Ele foi morto em março de 2021 durante uma operação da Polícia Militar no Complexo de favelas do Chapadão, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio. Guilherme e mais dois amigos, Gabryel Marques de Oliveira Rodrigues Rosa e João Marcos da Silva Lima, foram confundidos com criminosos enquanto estavam em um bar, em uma das ruas que dá acesso à comunidade. Os dois primeiros morreram, e João foi baleado e preso. Dois meses depois, a Justiça entendeu que João não era criminoso e revogou sua prisão.

Questionado sobre os indicadores de letalidade, o governo do Rio afirma que o estado “vem apresentando expressivas reduções nos índices de crimes contra a vida”. “No primeiro trimestre desde ano, os homicídios dolosos chegaram ao menor patamar em 31 anos. A letalidade violenta recuou 23%, também o menor valor para os três meses desde 1991. As mortes por intervenção de agente do estado diminuíram 30% no período”, afirmou o governo, em nota.

O governo ainda diz que “a Polícia Militar vem atuando em várias frentes para reduzir de forma consistente os índices de letalidade violenta e de vitimização policial”. “Entre essas ações, estão a criação de uma série de programas preventivos pautados pelo conceito de policia de proximidade; investimento maciço em treinamento e em equipamentos de proteção individual; e aprimoramento dos protocolos de atuação operacional desenvolvidos conjuntamente com o Poder Judiciário”, encerrou a nota.

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