Colégio de Resende é notificado por “expor adolescentes aos conceitos comunistas”

Professores do colégio foram pegos de surpresa com denúncia vinda do MDH (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

No dia 18 deste mês, a direção do Colégio Municipal Getúlio Vargas, na Cidade Alegria, em Resende, passou por uma situação jamais vista por qualquer outra instituição de ensino na região. O colégio recebeu uma notificação que teria sido enviada através do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), que tem como titular a ministra Damares Alves.

O documento (que teve apenas parte dele fotografado) contém uma denúncia anônima, onde o responsável pela mesma “informa situação de violência contra criança ou adolescente ocorrida em data e local descrito acima” (tal situação teria ocorrido no começo deste mês, segundo um professor que teve acesso ao documento). O denunciante ainda cita que “a Escola Municipal Getúlio Vargas está expondo os adolescentes aos conceitos comunistas, induzindo sua ideologia política, além de pregar ensinamentos de ideologias de gênero. Ainda acrescenta que o “denunciante alega que a responsabilidade de direcionar a conduta dos jovens pertence unicamente aos pais e não à escola”.

O material foi divulgado pelo mesmo professor citado no parágrafo anterior, nas redes sociais, que criticou o seu conteúdo. “O Colégio Municipal Getúlio Vargas, em Resende/RJ, foi notificado na data de ontem, 18/11/2021, com o documento que vocês podem ver no vídeo. A direção da escola terá que responder um inquérito que investiga sabe-se lá o que. Mais um ataque fascista à liberdade de pensamento e de produção científica dos professores e dos estudantes daquela escola. É quase inacreditável que ainda estejamos disputando isso, é impressionante que essa conversa ignóbil ainda seja ouvida por alguém”.

Segundo o professor de História da instituição, Marcelo Klein, a notificação pegou todos de surpresa na escola. “Como a denúncia foi feita de forma anônima e chegou de forma generalista para a escola, ou seja, não foi direcionada pra nenhum profissional, quem responde legalmente é o diretor. Esse, por sua vez, apresentou a mim e a alguns colegas profissionais de humanas o tal documento com muita surpresa e espanto, visto que nada ali condiz com a realidade, pelo contrário, é uma distorção de nosso trabalho”, disse o professor.

Documento teve parte dele publicado nas redes sociais (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Mesmo não sendo possível identificar que fez a denúncia, Klein revela que os educadores têm percebido uma articulação do movimento Escola Sem Partido em todo o país durante este mês. “O caso mais notável foi da professora de Salvador, que também foi convocada a depor num caso muito parecido com o nosso”.

Ele acredita que haja uma coincidência entre as “denúncias” e as exonerações dos profissionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em virtude de uma possível interferência ideológica do governo federal no Exame Nacional do Ensino Médio – Enem (cujas provas estão sendo realizadas nos dias 21 e 28 deste mês), e que isso parece ter provocado reação por parte de simpatizantes do governo.

– Simpatizantes do governo estão constantemente tentando criminalizar determinados temas tratados em âmbito escolar, temas fundamentais pra vida do estudante. Parece mais uma tentativa de criminalizar e dar um aspecto subversivo a temas curriculares e com imensa importância pra vida das crianças e adolescentes. Além disso, uma tentativa de tornar debates científicos em disputas políticas. Vimos isso acontecendo durante a pandemia, sobretudo no que diz respeito a vacina, e a estratégia é sempre a mesma, uso intenso de fake news.

Ainda que não haja o que fazer judicialmente por se tratar de denúncia anônima, o professor entende que é importante dar voz aos protagonistas do processo educacional no município, a quem produz ciência de verdade e combate o negacionismo. E relata o apoio que os educadores vêm recebendo por parte do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) no município.

– O sindicato da categoria, o Sepe, vem estudando a possibilidade de fazer um ato junto a comunidade pra manifestar repúdio a isso e reforçar nosso compromisso com a ciência, com o conhecimento e com a liberdade de cátedra que determina nosso trabalho, assim como a responsabilidade que temos com nossas crianças e adolescentes. Temos recebido um imenso apoio dos pais dos alunos, o que nos mostra que esse foi um caso isolado em nossa comunidade escolar e podemos seguir firme em nosso trabalho – completa Klein.

Além do Sepe e dos pais de alunos, em postagem publicada no seu perfil nas redes sociais no último domingo, dia 21, a Associação dos Professores Municipais de Resende (APMR), informou que “declara total apoio ao professor Marcelo Klein, sobre a notificação que o Colégio Getúlio Vargas recebeu como denúncia”. E “repúdio a quem faz esse tipo de denúncia totalmente infundada e desinformada”, prosseguiu a nota, reproduzindo a postagem do professor.

O jornal BEIRA-RIO entrou em contato com as entidades que defendem os educadores. A presidente da APMR, Claudia Luisa, confirmou que a associação tomou conhecimento desse fato através de grupo de whatsapp chamado Fórum de Educação Sul Fluminense, e ficou surpresa. “A APMR não foi procurada pelo professor. Fizemos esta postagem em apoio a ele, por sermos totalmente contra esse tipo de censura. Não tenho conhecimento de outro tipo de denúncia formal assim”, respondeu a presidente, citando que Klein não é associado à entidade, mas que faz parte do Sepe.

O Sepe Resende também emitiu uma nota em seu perfil nas redes sociais nesta sexta-feira, dia 26, prestando “total solidariedade aos profissionais de Educação do Colégio Municipal Getúlio Vargas”. “Não aceitaremos qualquer intimidação contra o trabalho docente. Lutamos por uma escola libertária, diversa, plural. Não permitiremos que a opressão e a intimidação prevaleçam. Encaminharemos denúncia à Secretaria Municipal de Educação na audiência da próxima semana”.

A representante da direção geral do Sepe em Resende, Daysiane Alves de Oliveira, acrescentou que a audiência citada na nota acontecerá durante a reunião entre a entidade sindical e a Secretaria Municipal de Educação (SME). “Entramos em contato com o professor Marcelo, e na próxima segunda (dia 29) a gente terá uma reunião na SME, onde vamos entregar um documento reiterando a nossa posição em defesa dos docentes e das liberdades no colégio, não só Getúlio Vargas, mas em toda a rede municipal”.

Ela critica a postura do Governo Federal contra o ato intimidatório da notificação. “Infelizmente é um assunto previsível diante da da nossa realidade brasileira, diante da realidade desse governo opressor, que tem fomentado ações contra a liberdade de imprensa, a liberdade de cátedra. A Escola sem Partido a gente conseguiu provar que na verdade é a escola do partido deles. E nós sempre lutamos e continuaremos lutando por uma escola libertária diversa que respeita a autonomia do docente a favor das liberdades, disso a gente não abre mão e reiteramos essa posição do sindicato”, conclui.

O jornal também entrou em contato com a assessoria de imprensa do MDH, e ainda aguarda o pronunciamento da pasta do Governo Federal sobre o assunto.

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