Uma novidade na gestão de mandatos legislativos chega a Resende e Barra Mansa

Alvaro e Luciano (à direita) são os representantes das duas primeiras candidaturas coletivas da história de Resende (Fotos; Divulgação)

Nas próximas eleições, vários candidatos a vereadores disputarão vagas no Legislativo dos mais de 5 mil municípios espalhados em todo o Brasil. Dessas candidaturas, algumas não serão formadas simplesmente por um único representante, mas por um grupo envolvendo entre cinco e até mesmo nove participantes. É o que chamamos de candidaturas coletivas. No Brasil, o primeiro caso de uma candidatura oficialmente eleita nesses moldes aconteceu no ano de 2016, no município de Alto Paraíso, no estado de Goiás. Aqui na região Sul Fluminense, de forma inédita, três candidaturas – duas delas em Resende, formadas no mesmo partido, e em Barra Mansa – adotaram esse modelo de gestão de candidatura/mandato.

As duas candidaturas coletivas de Resende a Câmara foram oficializadas no dia 12 de setembro, pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Uma delas, o Mandato Coletivo a serviço do Poder Popular é composto pelo candidato Alvaro Britto e os cocandidatos Dilma Lemos, Pedro Brant, Maria Angélica, Marco Aurélio Shocair e Priscila Melo. A outra candidatura, chamada de Mandato Coletivo Plural Progressista tem como integrantes o candidato Luciano Gonçalves e os cocandidatos Mariana Bossan, Hilarina Marino, Luis Fernando e Stephany Brito, todos eles filiados ao PT.

A candidatura coletiva consiste em um grupo (geralmente de três pessoas ou mais) que faz campanha em conjunto e, caso eleito, assume coletivamente a cadeira. No entanto, na urna aparece o nome e a foto de apenas um dos integrantes, uma vez que não há um amparo legal para essas candidaturas já que ainda não há previsão legal para a candidatura coletiva. Os representantes legais são o jornalista e professor Alvaro Britto, no Mandato Coletivo a serviço do Poder Popular, e o professor Luciano Gonçalves, no Mandato Coletivo Plural Progressista.

A estrutura e o funcionamento dos mandatos coletivos são bem parecidos em todas as experiências. Tudo é dividido e decidido conjuntamente entre os coparlamentares, como eles geralmente se tratam: agendas, projetos, salário e assessoria. Como nem a legislação nem os regimentos internos das Casas contemplam a novidade, normalmente só o titular pode votar em plenário, discursar na tribuna e compor comissões.

Candidatos (na parte do cima) realizaram live na última terça-feira, dia 29, para explicar como funcionam as candidaturas coletivas (Foto: Reprodução)

Os dois representantes (que realizaram uma live na última terça-feira, dia 29 de setembro, e que contou com a participação de um dos representantes do mandato coletivo de Alto Paraíso) defendem a candidatura coletiva como forma de combate ao personalismo e ao individualismo. “Mandato Coletivo é o efetivo exercício de que qualquer mandato deve ser ‘coletivo’. Um mandato nunca deveria ser para o eleito, mas sempre para a comunidade. Exercício de diálogo a todo momento”, justificou Luciano Gonçalves.

Segundo ele, “uma candidatura digna costuma ser motivada pela vontade de ajudar a comunidade a ser mais justa, solidária, inclusiva e humana. O Mandato Coletivo é a declaração de que essa motivação não pode ser só pessoal, mas que ela própria já deve ser exercício de diálogo entre diferentes que, mesmo diferentes, comungam da mesma vontade de transformar a sociedade.”

Para Alvaro Britto, “a candidatura coletiva é uma proposta inovadora que combate o personalismo, o individualismo e apresenta uma nova forma de representação parlamentar, empoderando aquelas vozes historicamente excluídas das decisões políticas da nossa cidade”.

– É uma maneira de nos diferenciar de quem quer fazer carreira na política. O motivo principal é a força da ideia. Queremos trazer à luz uma coisa diferente, que desperte no povo a vontade de participar da política. O nosso mandato coletivo estará à serviço da construção do Poder Popular – explicou Britto.

O professor titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), doutor e mestre em Ciência Política, Paulo Roberto Figueira Leal, aponta os fatores que possibilitaram o surgimento de novas candidaturas.

– Vivemos um contexto de forte desconfiança, por parte de setores significativos da sociedade, em relação às instituições políticas. Muitos cidadãos não se sentem representados adequadamente pelo sistema político tradicional. Uma das respostas (negativas) a esse sentimento é a opção pela não participação. Outra resposta (muito melhor, do ponto de vista dos efeitos que produz) é a tentativa de se buscarem soluções alternativas para que as relações entre representantes e representados sejam fortalecidas – é nesse segundo tipo de resposta que as candidaturas coletivas se colocam. Essas iniciativas partem do pressuposto defensável de que as ideias e projetos que orientam uma candidatura não precisam necessariamente ser encarnadas por um único indivíduo – daí a possibilidade de mandatos coletivos – cita.

Questionado sobre as dificuldades para essas candidaturas/mandatos no Legislativo, o professor acredita que isso possa ser superado com o sucesso das novas candidaturas coletivas. “Como se trata de uma iniciativa relativamente nova, o marco legal ainda não está adaptado para lidar com essas candidaturas com base em outra lógica, menos individualista. Se mais e mais iniciativas de candidaturas coletivas se fortalecerem e prosperarem, creio ser bastante provável que isso pressione por mudanças nas concepções do que sejam os mandatos legislativos e nas formas regulamentadas pelas quais eles podem se apresentar”.

Ainda assim, ele enxerga que a nova iniciativa poderá sofrer alguma resistência por parte de políticos mais tradicionais para conquistar seu espaço, ainda que exista atualmente há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na Câmara para implementar o mandato coletivo no Poder Legislativo, que segue parada na Comissão de Constituição e Justiça desde 2017.

– Difícil dizer neste estágio da discussão como terminaria a votação de uma matéria assim. Ao mesmo tempo em que essas iniciativas dos mandatos coletivos abrem possibilidades interessantes e profícuas, elas podem ser ameaçadoras ao status quo do sistema parlamentar que temos. Certamente a ideia enfrentará resistências de parlamentares com visões mais tradicionais de atividade representativa. O certo é que essa é uma discussão que merece ser feita, pelos efeitos de engajamento que as experiências já existentes com esse tipo de mandato já revelaram, nos casos concretos em que o modelo foi empregado – conclui.

COM FOCO NA ECONOMIA CRIATIVA
Outra candidatura coletiva formada na região vem do Partido Socialista Brasileiro (PSB) de Barra Mansa, também algo inédito para o município. Oito integrantes do chamado Coletivo Artesão, criado no Ponto de Ação Cultural de Barra Mansa (PAC) no ano de 2017, lançaram no mês passado o Mandato Coletivo Artesão, conhecido pela sigla Colar. A candidatura tem quatro eixos prioritários: Cultura e Educação; Saneamento Ambiental e Promoção Social; Território e Economia Criativa e Serviço Público Municipal, sendo composta por Marcos Salazar, Cléo Rocha, Junior Cordeiro, Marcos Marques (representante principal), Francis Marques, Augusto Hernandes, Henrique Cardoso e Saint Clair (na foto, da esquerda pra direita).

EXPERIÊNCIAS PELO PAÍS
A primeira experiência de mandato coletivo, em Alto Paraíso, formada por um grupo de cinco eleitos para uma das vagas na Câmara Municipal, inspirou a mais conhecida experiência do gênero até o momento, a Mandata da Bancada Ativista, que conquistaria uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo dois anos depois. Formada por nove componentes com diferentes perfis de reivindicação e divididos entre Rede, PSOL e PDT, a Mandata foi representada nas urnas formalmente por Mônica Seixas e obteve votação expressiva. Também em 2018, o coletivo feminista Juntas, composto de cinco mulheres, foi eleito em Pernambuco e aumentou a visibilidade da estratégia.

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One thought on “Uma novidade na gestão de mandatos legislativos chega a Resende e Barra Mansa

  1. Gostaria de clarificar que dos candidatos do Mandato Coletivo Plural Progressista somente Luciano Gonçalves é filiado ao PT, os demais não têm filiação partidária

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