Frankenstein Tropical

Tenho andado meio sumido. Acho que por conta do que estão chamando de Deep Global Depression (coloquei ‘profunda depressão global’ em inglês para dar ares de verossimilhança. Coisas ditas em inglês parecem ter mais cara de reais. Cascata. Acabei de inventar a expressão. Mas vá lá que isso exista realmente. Estamos na era de que tudo é possível).

Acredito que estamos vivendo num tempo em que o sujeito se senta diante de um computador, e na falta do que fazer de útil e com a imaginação fustigada pela possibilidade mil de criar mentiras verdadeiras, assim, do nada, manda lá na tela em branco: Frankenstein Tropical – o terrível retorno.

E vejo Steve Bannon e Olavo de Carvalho numa noite regada à Bourbon num condado rural da Virgínia (USA). Imagino o diálogo rasteiro sem nenhuma menção sequer em, pelo menos, dar ciência aos herdeiros de Mary Shelley sobre a empreitada prosaica de criar uma nova versão da Criatura. Uma versão parida nos trópicos.

– Então my friend? Você cria a Coisa?

– Criar não é problema, diz Olavo e continua: Mas vocês precisam mesmo disso? Esse negócio de multipolaridade é balela.

– Mas precisamos consolidar nosso quintal, a produção de commodities, o minério, o nióbio, as reservas de combustível fóssil, o mercado consumidor, mais bases militares americanas, a infindável geração de recursos financeiros…

– Tá bom, tá bom. É que, como vocês já anexaram, praticamente, todas as Honduras do continente, mais o lítio boliviano e a floresta amazônica, achei que não precisavam…

– Não meu caro Olava (Bannon falando português com sotaque), ainda falta o petróleo e o ouro da Venezuela, mas enquanto aquele maduro não cai de podre, com a nossa Judá é claro, temos que garantir o Brasil que é muito rico, e assim colocamos o continente todo em nosso bolso.

– É. Você está correto. Mais uma dose desse maravilhoso Wild Turkey?

– Of course! Eu só dirijo políticos. Quem vai levar o carro é o motorista, hahaha!

No dia seguinte, o astrólogo/filósofo/farsante curtindo uma suave ressaca, foi anotando as características que o invento deveria ter:

– o corpo terá de ser de alguém que só tenha realmente o corpo. A cabeça tem de ser apenas uma caixa óssea desprovida de recheio.

– deve ser alguém de mente frágil, facilmente influenciável e que conviva harmoniosamente bem com todos os tipos de preconceito.

– tem de ser alguém totalmente desprovido de empatia e que acredite piamente que depois de enriquecer com a política, a história lhe reservará um pedestal e quem sabe algum dia, até vire personagem de HQ.

– e claro, tem que ser alguém que fale em Deus o tempo todo, que se diga um enviado de Deus e circule livremente por todas as franquias ditas cristãs.

Na mesma, tarde, Steve Bannon aprova as características enviadas por Olavo via Whatsapp. E por telefone indaga se já teria em vista algo tão perfeito, ou se precisariam visitar alguma morgue para, clandestinamente resgatar um corpo. “E de algum indigente, branco. Que fique claro!”.

Olavo respondeu tranquilizando o nobre parceiro:

– Fique tranquilo, Steve. Temos o cara certo, quer dizer, temos o corpo certo. O sujeito é branco. Ele foi tenente expulso do Exército e depois entrou para a política pelas mãos da milícia carioca. Nunca trabalhou. É matéria prima das boas. Em Brasília era o bufão histriônico do baixo clero, e, com cerca de trinta anos de vida pública como parlamentar, ninguém conhece nada que ele tenha feito. Nenhuma lei, nem nada para a área de segurança. Setor que ele se orgulha de representar.

– Good, good, very good!!! Olava. Ôpa, mas espere um pouco aí, o cara foi tenente? E os tenentes não são um perigo na história de vocês?

– Quiet, my friend. Fique tranquilo! Você se refere ao tenentismo, mas isso foi há muito tempo. No início do século passado. Nosso Exército hoje é unido e é só paz e amor. America First, my friend.

– Ah! Que bom, que bom! ‘Olha’, nossos técnicos levarão até você, porções do DNA do Benito e do Adolf para injetar no tal corpo. Conclua a Criatura que nós garantimos a eleição. Temos a Cambridge Analítica e nossas forças tarefas estão se mexendo muito bem lá no judiciário de vocês. Além de que podemos contar com o apoio imprescindível daquela mídia dócil e sempre muito amiga.

– Certamente, Steve. Deixe comigo.

– Mas Olava, tem mais uma coisinha que eu ia esquecendo, essa nossa matéria prima, corpo e cérebro sem recheio que você conseguiu, é anticomunista também, certo?

– Ô Steve, assim você já está querendo demais. Anticomunista? Hahahaha! My friend, o cara nem sabe o que é comunismo. Ele é um saco vazio, o que a gente colocar dentro dele, ele carrega.

– Hahahaha! Então está perfeito. Temos o nosso Frankenstein. Bye, bye Olava.

– Bye Steve.

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