Espólio aproveita paralisação da Justiça e ameaça famílias do Terra Livre

Dois meses atrás, famílias também viveram momentos de tensão nas terras da comunidade, como na foto acima

O dia 17 de abril é uma data simbólica para a luta dos povos sem terra do Brasil (e do mundo). É que há 24 anos o país vivia uma das páginas mais tristes de sua história: o massacre de Eldorado do Carajás, no estado do Pará (e também o Dia Internacional de Luta pela Reforma Agrária). E é exatamente anos mais tarde que uma comunidade de trabalhadores sem terra de Resende sofre com a ameaça de um dos integrantes do Espólio da Família Klotz, que tenta a reintegração de posse das terras ocupadas há 21 anos pela Comunidade Terra Livre à força, aproveitando a paralisação da Justiça desde a terceira semana de março devido a crise da pandemia do novo coronavírus que atinge o planeta.

Enquanto o Brasil e o mundo sofrem com inúmeros casos de Covid-19 e com as mortes advindas dessa doença, na manhã desta sexta-feira, dia 17, as mais de 100 famílias que vivem na Comunidade há mais de 20 anos estão sendo ameaçadas de despejo pelo Espólio. Segundo informações de uma trabalhadora da comunidade, os seguranças contratados pelos proprietários da antiga fazenda estavam “querendo entrar à força”.

— A gente está na entrada da fazenda. Eles (seguranças) chegaram aqui e estão querendo entrar aqui à força, a gente vai partir pra briga. Já fizemos contato com a corregedoria e pra vocês (do jornal BEIRA-RIO). Já estamos brigando e discutindo aqui com eles. Um dos seguranças ligou pro Orlandino (herdeiro do Espólio) e pedindo pra ele vir até aqui com advogado. Estamos esperando, e colocamos uma barricada com pneus, com fogo neles, pra impedir que entrem – explicou a integrante.

Alguns minutos mais tarde, outro morador da comunidade ligou para a equipe do jornal, e falou sobre a presença de policiais militares no local, que estariam abordando os seguranças.

— Ao todo vieram uns quatro seguranças contratados pelo Orlandino, fortemente armados, e com duas viaturas. Ligamos para a Corregedoria da Polícia Militar, que enviou umas cinco viaturas e um grupo de agentes. Eles abordaram os seguranças e acharam o armamento que estava com eles. A gente está esperando a ordem judicial que foi dada ao proprietário, pois eles não podem tirar ninguém a força daqui. O juiz deu ordem pra que o Espólio ficasse responsável pela parte não ocupada, mas o problema é que está praticamente tudo ocupado e aí o dono teria que derrubar todas as casas – justificou.

Seguranças foram detidos no local. Tanto agora quanto em 17 de fevereiro, eles estiveram no local com veículos e armas

Conforme foi relatado pelos dois moradores da comunidade, não havia Oficial de Justiça no local. Apenas os seguranças do Espólio que tentaram entrar nas terras da comunidade e retirar a criação de bois e vacas mantida pelos produtores. Quatro viaturas da Polícia Militar se encontram no local depois que a comunidade entrou em contato com a Corregedoria. Os agentes apreenderam duas armas, uma delas com numeração raspada, junto com os seguranças, que chegaram a tentar esconder o armamento no meio das terras. Os seguranças foram detidos e levados para a 89ª DP (Resende), mas ainda assim, o momento é de muita tensão no local.

O presidente da Associação da Comunidade Terra Livre, Mario Laurindo, disse que a direção do MST que hoje está presente na comunidade, deixou as famílias sem apoio há anos. “Eles foram embora e agora voltaram sem entender porque fizemos o acordo. O acordo é para manter essas famílias e os 20% que a maioria dos moradores concordou é suficiente para manter 85 famílias. O problema é que tem alguns moradores que querem a terra toda, mas já fizemos um acordo na Justiça”, relatou.

Paulo César Silva, o Cesinha, um dos integrantes do Comitê pela Transparência e Controle Social de Resende (ComSocial), e que milita em prol do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na região, lamenta o ocorrido nesta sexta-feira na Comunidade Terra Livre.

— Me entristece que justo neste momento em que estaríamos celebrando o resgate da dignidade de tantas famílias, a solidariedade expressada por tantas pessoas e entidades na defesa de uma luta justa, a sintonia das instituições públicas que contribuíram na estruturação desta comunidade e deu a esta terra a função social que preconiza a Constituição. Hoje somos surpreendidos com essa medida que pode colocar fim nesse processo de ocupação sustentável e fazer com que famílias inteiras retornem a rotina da miséria, sem teto e sem onde ganhar o pão de cada dia.

MST DIVULGA NOTA SOBRE AMEAÇAS
Em nota divulgada a imprensa, a direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) relata a situação pela qual passa as mais de 100 famíias da comunidade. A entidade Acrescenta que o processo “tem possibilidades de ter um desfecho trágico nessa data simbólica de 17 de abril”, citando que os moradores teriam sido “avisados por enviados do senhor Orlandino”, os mesmos fariam “o que o juiz Marvin Ramos Rodrigues Moreira (do Fórum da Comarca de Resende) autoriza no seu último despacho”, do último dia 7.

A nota destaca que segundo a autorização do magistrado, “quanto ao imóvel em construção, fica autorizada a demolição imediata” e “havendo gado abandonado no local, fica o inventariante autorizado a proceder a imediata venda caso não identificado a propriedade”.

O MST alega que é urgente a mobilização na defesa do direito dessas pessoas a terem um processo jurídico justo e correto, visto que foram sequer intimadas para acompanhar juridicamente. E ainda mais “nesse momento de total insegurança, por conta da pandemia mundial ocasionada pelo Coronavirus”. E defende o trabalho feito pelos moradores nos 21 anos de ocupação.

– Acontece que naquela comunidade residem famílias que já tem o seu histórico consolidado há mais de 15 anos, com imóveis construídos, criação de mais de 100 cabeça de gado, criação de peixe e produção de alimentos saudáveis para a comercialização local. Ao contrário do rico herdeiro que planejava ter o espaço de 100 alqueires para fazer visita nos fins de semana possíveis, deixando a área por completo improdutiva”.

O BEIRA-RIO tenta contato com a Assessoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com a assessoria da Prefeitura de Resende e com os advogados do Espólio, mas ainda sem retornos.

Foto: Arquivo

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