Comunidade rural de Resende fica a pé na estrada Resende-Riachuelo

Moradores dependem de carona para tudo, inclusive pra participar de entrevista

Há dois meses, a rotina dos moradores da Fazenda Sertãozinho, comunidade rural localizada na estrada Resende-Riachuelo, que liga Resende ao distrito de Formoso, em São José do Barreiro/SP está um caos desde que a região deixou de ter linhas de ônibus que atuam com regularidade. Isso tem obrigado aqueles que dependem do transporte coletivo (com exceção dos estudantes do ensino básico da região, que ainda dispõem do transporte oferecido pelo Governo Federal) a andar quilômetros de estrada não asfaltada a pé, depender de carona ou pagar um alto preço a taxistas ou motoristas de aplicativos, caso não queiram correr o risco de perder uma consulta médica na cidade.

– Já precisei de remarcar uma consulta médica por causa da falta de ônibus. Isso prejudica muito a gente, inclusive quando precisamos nos vacinar – reclama a dona de casa Luzia Moreira Diniz da Silva.

Outra moradora, a também dona de casa Irene Maria da Silva, conta que precisou andar durante quatro horas de sua casa até a cidade para receber atendimento médico, já que o Sertãozinho não dispõe de um posto de saúde. “Já passei mal no meio do caminho, pois tenho hipertensão. Até o meu irmão, que é dois anos mais novo que eu, também sofre com problemas de saúde e não consegue andar essa distância toda pra chegar na cidade”.

Além do atendimento médico, a falta do transporte também atrapalha o estudo e o tratamento de crianças e adolescentes com alguma necessidade especial. É o caso do filho da dona de casa Regina Alves da Silva, de 17 anos, que é deficiente intelectual e precisa de atendimento especial. E também de seu neto, de 5 anos, que possui atraso na fala e faz tratamento com um fonoaudiólogo. “Sou obrigada a andar a pé pra poder levar os meninos até a cidade”, cita Regina, que precisou de uma carona para chegar ao local da entrevista com o jornal BEIRA-RIO, no último domingo, dia 8, em um restaurante da localidade.

As famílias de Luzia, Irene e Regina são apenas três das 48 que seguem desassistidas pelo transporte público no local, uma vez que a Transmatur deixou de prestar o serviço que deveria ser realizado por uma das empresas intermunicipais que atendem Resende. Serviço que, muito antes da Viação São Miguel ganhar a concessão do transporte do município, era feito com alguma regularidade, segundo os moradores mais antigos.

– Na época em que Resende tinha a Viação Manejo, na época do Mário Periquito, a nossa região era bem servida de ônibus, umas quatro vezes ao dia, e isso acontecia todos os dias. Isso já não acontece mais há 20 anos. Depois quem passou a prestar esse serviço foi a Viação Penedo, e posteriormente um microonibus não regularizado. A São Miguel jamais realizou o serviço aqui – conta o produtor rural José Maria de Resende.

A alegação da concessionária de transporte, conforme relata o aposentado Ednir Dias Rezende, é o fato dela não ter autorização para atuar no município vizinho, onde se localiza Formoso. “A São Miguel diz que não pode entrar dentro de São José do Barreiro. O problema, na verdade, é que ninguém se interessou politicamente em ajudar o Sertãozinho a resolver esse problema. Já recebemos a visita de vereadores, prefeitos, dos membros do Comutran (Conselho Municipal de Transporte e Trânsito) e até da São Miguel, mas até agora nunca acharam uma solução para a falta de transporte público daqui. Antigamente, até para os bailes de Formoso a gente tinha ônibus extras pra levar as pessoas”, lamenta.

Regina depende de ônibus pra levar seu neto até a cidade pra fazer tratamento

Mario Periquito era um dos sócios da empresa, que tinha a concessão para operar em Resende e por muitos anos atendeu as necessidades da comunidade local. Naquele tempo, segundo a comerciante Ilda de Almeida, dona do restaurante onde foi feita a entrevista com a comunidade, existiam poucos proprietários de carros de passeio. Tanto que no bagageiro e mesmo dentro do ônibus, os produtores rurais carregava até pequenos animais, verduras, frutas e objetos em geral. Produtores rurais de São José do Barreiro também costumavam utilizar o transporte para vender seus produtos em feiras livres de Resende.

– Existe um produtor (que atende pelo nome de Tomé) da Serra de Formoso que há pouco tempo usava o ônibus para transportar seus produtos em balaio feito de bambu, para vender aos domingos na feira livre do Manejo. Agora, com as falhas constantes na linha atual, ele traz os seus produtos, no carro de um dos filhos.

No momento, as duas únicas soluções encontradas pelos moradores para evitar perder as consultas médicas, poder levar os filhos para tratamentos especiais, levar mercadorias para vender ou mesmo fazer compras na cidade são pagar mais caro a motoristas de táxi ou de aplicativos (que cobram em média R$ 120) ou depender de uma carona no meio da estrada (que foi a solução encontrada para que alguns moradores pudessem chegar ao local da entrevista). Até mesmo para conseguir as assinaturas de todos os moradores do Sertãozinho a tarefa não é nada fácil. Tarefa que coube a Irene, que conseguiu até o momento mais de 50 adesões, passando de casa em casa a pé.

COMUTRAN ALEGA QUE LINHA DE ÔNIBUS É INVIÁVEL
O idealizador do Prover Resende, Rui Paiva, entrevistado pelo jornal BEIRA-RIO este ano para falar sobre o trabalho da projeto criado por ele, vem acompanhando de perto o drama do transporte público no Sertãozinho. Junto aos moradores, foram registrados dois protocolos, um na Ouvidoria Geral e outro no E-Sic, ambos os órgãos pertencentes à Prefeitura de Resende, no dia 25 de novembro. A resposta dada por um dos protocolos, o da Ouvidoria, foi enviada ao Prover.

A resposta do órgão no último dia 2, através do ouvidor Ronaldo Gomes, foi a seguinte: “Em 2017 foi aberto processo de n° 19139/2017 no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito para análise da linha em questão. O relator do processo conselheiro Flávio Paulino da Silva e todos os conselheiros votaram por unanimidade com o relator o qual entende-se que a linha é inviável devido a baixa demanda. Após o indeferimento o processo foi arquivado”.

A Prover Resende, por sua vez, ao registrar o protocolo, citou o seguinte: “Caso não atendam este bairro com o transporte público, informamos que a emenda constitucional 90/2015 garante o transporte como direito social”. A emenda dá nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, incluindo o transporte entre os direitos sociais, ao lado da educação, saúde, almentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. O Prover, através de Rui Paiva, informou que acionará o Ministério Público ainda esta semana.

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