A cultura do povo brasileiro em emendar dias de folga com feriados provocou revolta e indignação nas entidades que lutam em prol dos direitos das pessoas negras na região Sul Fluminense. Nesta segunda-feira, dia 18, movimentos sociais e partidos políticos assinaram e divulgaram na mídia e nas redes sociais uma nota de repúdio contra as repartições públicas que decretaram o feriado do Dia da Consciência Negra (20 de novembro) com dois dias de antecedência.
Na nota assinada, a mesma questiona “para que serve o dia 20 de novembro para esses governantes que alteram a data sem nenhum escrúpulo e nem discussão, emendando um feriado?”, e que forma irônica, continua: “Seria para fortalecer a política ‘do pão e circo’?”. Além desse questionamento, as entidades destacam no documento a importância da data para o povo negro e também criticam todas as formas de discriminação imposta historicamente aos negros em mais de 500 anos de existência do Brasil.
– O dia 20 de novembro para nós povo negro e também para todos os irmãos brancos antirracistas desse Brasil, é uma data admirável pois ratifica a necessidade de manter acesa a chama da luta por igualdade racial, por justiça social, contra o genocídio da população jovem e negra, contra o feminicídio e contra toda forma de discriminação – cita.
A nota lamenta a atitude dos governos municipais. “(…) As máscaras do racismo de alguns governos municipais do Estado do Rio estão caindo e nós do movimento negro junto com nossos irmãos antirracistas repudiamos a antecipação do feriado de 20 de novembro num país que ainda não foi capaz de reparar as atrocidades da escravidão, onde o elemento “raça” continua a determinar o destino pessoal de milhões de brasileiros. Mas Somos todos Zumbi, Dandara, Marielle, Marias e Tião, seguindo em combate!”, encerra a nota.
Em várias prefeituras da região, as repartições públicas aproveitaram o feriado da Proclamação da República, no último dia 15, pra emendar os dias de folga com o primeiro dia útil desta semana ao invés de cumprir a data e decretar o feriado de 20 de novembro junto com o estado do Rio de Janeiro. Em todos os municípios da Região das Agulhas Negras, com exceção dos serviços essenciais à população, os servidores municipais encerraram suas atividades nesta quinta-feira, dia 14, e retornaram às atividades nesta terça, dia 19, e terão expediente normal no dia do feriado.
A Prefeitura de Barra Mansa (na primeira foto), município vizinho a Resende e Quatis, que também aderiu ao feriado antecipado, em nota, justificou que “a decisão, definida via decreto nº 9675 de 11 de novembro de 2019, atende questões administrativas”, e sugere á população “aproveitar o feriado do dia 20 para comparecerem na prefeitura e utilizar os serviços municipais”.
INTERNAUTA TAMBÉM CRITICA DECISÃO DE PREFEITURA
Ainda assim, a iniciativa provocou estranheza nas redes sociais. Um internauta também questionou o decreto da Prefeitura de Resende (na foto ao lado) criticando o prefeito. Segundo ele, a prefeitura “usa de seu poder e influência no legislativo municipal” e “muda calendário estadual de comemoração à luta do movimento negro, antecipando o feriado para segunda-feira, dia 18”.
– Quem perde com isso é a população resendense que depende dos serviços públicos, visto que sexta-feira, dia 15, já é comemorado o feriado de Proclamação da República. Ou seja, ficaremos 5 dias sem expediente no funcionalismo, pois quinta-feira (dia 14) será apenas meio período na prefeitura (mas se a prefeitura só funciona a partir de meio-dia, então não haverá expediente, né). Para os CC’s é mais uma conquista! Feriadão esbanjando com o nosso suado dinheirinho. Afinal, nós vamos trabalhar NORMAL! Maior vantagem ser CC ou amigo desse atual governo municipal, né?! Um luxo só! – conclui o internauta, em postagem feita no último dia 13.
Confira na íntegra a nota das entidades:
NOTA DE REPÚDIO DEVIDO A ANTECIPAÇÃO DO FERIADO DE 20 DE NOVEMBRO
O dia 20 de novembro para nós povo negro e também para todos os irmãos brancos antirracistas desse Brasil, é uma data admirável pois ratifica a necessidade de manter acesa a chama da luta por igualdade racial, por justiça social, contra o genocídio da população jovem e negra, contra o feminicídio e contra toda forma de discriminação.
A data do dia 20 de novembro não foi escolhida aleatoriamente e a alteração dela para nós que assinamos essa carta é uma atitude racista e demonstra o desconhecimento da história do povo que construiu essa nação. O motivo de comemorarmos o 20 de novembro se dá porque nesse dia no ano de 1695 morreu Zumbi, líder do quilombo dos Palmares. Por isso essa homenagem justa pois Zumbi representa a luta de todos os negros e negras contra a escravidão no Brasil. Zumbi morreu em combate defendendo seu povo escravizado por esse regime capitalista que ainda escraviza pessoas e mentes nos tempos atuais.
A criação da comemoração do dia 20 de novembro é muito importante não só para os negros e negras, mas para todos os brasileiros porque é um momento para desconstruir conceitos hegemônicos com base em apenas uma história, a dos colonizadores. Nenhum de nós acredita que todos os problemas do racismo e dos racistas no Brasil se resolverão em um dia apenas. Mas esse mês de novembro possui um sentido simbólico e o dia 20 especificamente tem um sentido político no processo de sensibilização, politização e conscientização sobre as práticas racistas e as desigualdades que dificultam a plena inclusão do segmento negro da sociedade brasileira.
Mediante fatos históricos, há de se perguntar: para que serve o dia 20 de novembro para esses governantes que alteram a data sem nenhum escrúpulo e nem discussão, emendando um feriado? Seria para fortalecer a política “do pão e circo”? Pois uma emenda de feriado não é nada mal. Mas acontece que para além de “curtir” um feriado, nosso povo precisa compreender que país é esse que ainda tem uma polícia treinada para matar pretos; um país em que o governador do Estado manda “atirar na cabecinha” e nós sabemos quem são os alvos; Um país em que um presidente não reconhece o racismo e por isso não vê motivos para fomentar políticas afirmativas antirracistas e pelo contrário insiste em medidas que retiram direitos e que atingirão negativamente a população pobre desse país cuja maioria é negra ; Um país planejado para que em menos de um século fosse totalmente branco por meio da política do embranquecimento; um país em que os comerciais de televisão ainda afirmam o racismo quando lançam um sabonete que informa de maneira sublinhar que a pele negra é suja e que após usar o sabonete, a pele se torna branca que é o padrão de cor imposto; um país racista que ainda não aplica nos seus currículos as Leis 10.639 e 11.645 que Instituem o ensino da cultura afro e indígena; um país de Escola sem Partido que deseja retroceder na história e calar o direito de expressão do professor em sala de aula e fazer permanecer a política do “sim senhor”; Um país que invisibiliza nosso povo e que ainda quer nos dizer que temos limites, que não podemos avançar para as Universidades e nem ocupar espaços de decisão para finalmente colocar fim a tantas desigualdades. Mas nós povo negro e antirracistas dizemos que não recuaremos e iremos lutar contra qualquer tipo de política que deseja manter o racismo na sociedade. As máscaras do racismo de alguns governos municipais do Estado do Rio estão caindo e nós do movimento negro junto com nossos irmãos antirracistas repudiamos a antecipação do feriado de 20 de novembro num país que ainda não foi capaz de reparar as atrocidades da escravidão, onde o elemento “raça” continua a determinar o destino pessoal de milhões de brasileiros. Mas Somos todos Zumbi, Dandara, Marielle, Marias e Tião, seguindo em combate!
“Usamos a máscara que ri e mente. Ela esconde nossa face e sombreia nossos olhos… Usamos a máscara.” (Paul Lawrence Dunbar)
Assinam essa Nota as seguintes Entidades:
Coletivo AFROnta, Unegro/Resende, União Brasileira das Mulheres (UBM/Resende), PCdoB/Resende, Coletivo Nebulosas, Movimento de Mulheres Negras/Resende, PT/Resende, PT/BM, Pretas em Marcha/BM, Movimento de Mulheres Negras de BM, Organização e Integração de Conscientização Negra (OICN), Movimento Negro Unificado ( MNU/RJ), Associação Mulher, Cidadania, Ambiente e Economia Solidária/BM, PT/VR, MST, PT/BP, PT/Vassouras e SEPE/BP.
Fotos: Divulgação/PMBM, Redes Sociais e Reprodução/Escola Educação
