Tenho uma anotação em meu pequeno caderno que me paralisa a mão logo agora, no instante da crônica. É apenas uma palavra: Borboleta. Mas ela se manteve ali, pousada sobre a linha. Em silêncio, batendo os “os”; sua cor é azul, por causa da caneta. Sua vida é agora por causa do tempo daquilo que se escreveu.
Olho a palavra e em seguida corro os olhos pelo horizonte; não encontro ponto de chegada. Não me recordo dessa borboleta. Tampouco desse momento quando a inspiração me veio com a força de um relâmpago. É por deferência a inspiração que me detenho sobre o que não me recordo.
Talvez a borboleta estivesse no chão buscando os sais para temperar seu vôo. Ou morta, com a cor retalhada por uma eficiente “máquina de guerra” que para mim é como devia ser chamado o coletivo de formigas.
Não há jeito, a borboleta se foi restando dela apenas a palavra em meu pequeno caderno. Eu já suspeitava que a palavra nunca fora a coisa. Agora sinto a dor que é não ter a coisa sequer na memória. Então, para sarar, é preciso inventar:
A borboleta subia a descia em seu vôo. Sorria zombeteira do gato que pulava, tentando em vão, lhe enfiar as garras.
E assim vive o cronista. Inventa o que não tem para esquecer o que tem: um cotidiano que não cria, porque repete repete repete.
Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br
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