Dois amigos

Eram dois cachorros de rua. Parceiros de vadiagem. Um amarelado outro malhado em branco e preto. Talvez desejassem formar uma grande matilha. Chamaria a nossa atenção, imaginem: seis, sete cachorros correndo por aí, dobrando esquinas, descansando sob a sombra da árvore. Fazendo tudo juntos e de acordo com o comando do chefe. Alguns de nós iriam dizer, no balcão do bar, que os cachorros são mais obedientes e organizados que os seres humanos. Mas outros iriam se esconder atrás de portas fechadas durante a passagem da matilha e outros ainda ligariam para a carrocinha, ou qualquer coisa que o valha, tendo a certeza de que era caso de fazer a assepsia das ruas. Um fim trágico!

No entanto e se, por outro lado, os dois cachorros de rua, pertencentes que eram àquele mundo difícil da cidade, houvessem desenvolvido outra perspectiva sobre a vida canina? Quem sabe não perceberam que uma matilha solta dobrando esquinas e dormindo debaixo de sombras provocaria a desconfiança do povo? Ninguém chama a carrocinha por causa de um ou dois vira-latas! Diante de tal dupla qualquer um de nós se sente forte e digno; no direito de enxotar. Em número reduzido os vira-latas não causam pânico.

Eu gostei dessa dupla. Rápidos e com o faro decidido. Cheiravam tudo e quando investiam o faziam com confiança. Sempre um com o focinho na lixeira e o outro observando. É certo que há dias em que não comem nada e a única água que lhes resta é aquela morta na sarjeta. Mesmo assim, eles possuem alguma coisa que eu não sei o que é embora saiba que não tenho. Acho que justamente por essa tal coisa significaram tanto para mim.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

Foto: Reprodução/Internet

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