R$10,00 de crédito no celular

Na cidade pequena eu saio à rua nessa tarde quente. Quero coisa simples para esse começo de século XXI, colocar R$ 10,00 de crédito no telefone. Prefiro pagar quando quiser a ter um boleto sorridente me procurando a cada mês com fotografias de famílias felizes que se falam ao telefone mesmo quando se encontram a mesa de jantar.

Então estou nessa rua em busca de um estabelecimento que credite R$10,00 no meu telefone. E como sou um sujeito afeito à comunicação com os transeuntes, me ponho a perguntar a mulher que trabalha não sei onde. Quero um simples “do outro lado da rua, na farmácia, tem…”; ou que seja “Entre na rua ao lado da igreja, então atrás das Lojas Americanas, num shopping…”. Afinal, a cidade é pequena e não há ida a endereço algum que nos consuma mais tempo que um cafezinho.

A moça que trabalha não sei onde enruga o meio da testa, aperta os olhos. Demonstra compaixão pelo anúncio do meu esforço. Sente-se como o mensageiro que deve anunciar a um pai a morte do filho esperado. Então me diz que será preciso atravessar a rua e o canteiro, que ela chama de avenida e boulevard, para alcançar o prédio de uma igreja protestante e depois caminhar mais 20 metros para entrar na farmácia central.

Agradeço a preocupação da minha informante e me desculpo logo pela estupidez de cronista. A farmácia, talvez a única, recebia metade da cidade. Uma população, sobretudo saudável, que vinha apenas prosear e dificultar que um sujeito colocasse R$10,00 de créditos no seu telefone com rapidez.

Chegar ao balcão foi mais difícil que atravessar uma avenida e um boulevard. A moça tinha toda razão.

Foto: Ilustração

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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