Suposta intimidação de deputada eleita do PSL revolta professores em Resende

Professora, de 27 anos, terá atitude investigada por Ministério Público de Santa Catarina (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Nesta segunda-feira, dia 29, menos de 24 horas após o anúncio oficial da eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República, uma de suas aliadas no estado de Santa Catarina vem revoltando professores em todo o país. Segundo informações da imprensa nacional, a deputada estadual eleita pelo estado, Ana Caroline Campagnolo, que pertence ao mesmo partido de Bolsonaro, teria incentivado alunos a enviarem vídeos de professores em sala de aula fazendo manifestações político-partidárias ou ideológicas.

Para isso, a professora e historiadora, de 27 anos, defensora da chamada “Escola Sem Partido”, teria publicado no mesmo dia da eleição, nas redes sociais, um telefone de contato para que essas denúncias fossem feitas. Em contrapartida, os órgãos locais (Ministério Público, sindicato da categoria, Secretaria de Educação do estado, etc.) informaram que estão tomando medidas para coibir esse tipo de ação e garantir os direitos dos educadores e alunos.

Além disso, outro vídeo que circulou nas redes sociais nos últimos dias mostra o presidente eleito no último domingo, dia 28, incentivando um aluno do município de Serra/ES, assim como outros estudantes em todo o Brasil, a fazerem o mesmo tipo de denúncia contra os professores.

Com a grande repercussão dada pela imprensa no país sobre o assunto, o jornal BEIRA-RIO entrevistou educadores do município, que se mostram preocupados com as atitudes tanto do futuro presidente da República quanto de seus aliados.

– Isso é uma atitude lamentável! Ele (Bolsonaro) sabe que a educação é libertária e garante a emancipação das pessoas. E isso é tudo o que eles não querem, pois classificam o que os professores fazem em sala de aula como doutrinação. Na verdade, doutrinação é o que eles querem fazer, tirando a autonomia do professor e impedindo a liberdade de discussão – criticou uma das representantes da direção geral do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe/RJ), Daysiane Alves de Oliveira.

Ela afirma que o Sepe não permitirá que isso aconteça, e que é entidade é contra a “Escola Sem Partido”. “Querem é impor o partido deles, mas vamos lutar pelo ensino em nosso estado e no país, e não permitiremos que o próximo presidente coloque em prática seu projeto de destruição da educação pública. Haverá resistência da nossa parte se isso acontecer!”, completa.

Sua colega de sindicato, que faz parte da diretoria do Sepe Resende, destaca que a futura deputada catarinense e Bolsonaro estão atuando de forma equivocada quando o assunto é doutrinação.

– Quem fala de doutrinação nunca esteve em sala de aula, pois não é possível impor nada na cabeça do aluno, eles são capazes de pensar sozinho. Falar em doutrinação é desmerecer a capacidade de aprender dos alunos. No caso do aluno citado no vídeo, ele possivelmente acabou se deixando levar por outras pessoas por não compreender o conceito de doutrinação – cita Lidiane Leite de Almeida.

Para ela, os professores da rede estadual de ensino, por exemplo, um currículo mínimo a ser cumprido, e que muitas vezes os assuntos considerados polêmicos por parte da sociedade surgem às vezes dos próprios questionamentos dos estudantes, e que os professores têm a obrigação de esclarecer.

– Não acho certo que um professor se furte de dar uma resposta quando o aluno questiona sobre assuntos considerados polêmicos. Aqui no estado, o Ensino Médio possui 13 disciplinas diferentes. Se fosse como esses políticos pensam, imagine como ficaria a cabeça dos alunos se o professor de cada uma dessas disciplinas os “doutrinasse” – finaliza Lidiane.

ABAIXO-ASSINADO E POSTAGEM NAS REDES SOCIAIS
“Fiquei indignada com o ocorrido. Me senti desrespeitada, pois já é proibido o uso do celular na sala de aula, isso incita a prática ilegal de filmar não só o professor e a aula, mas os próprios colegas, que é crime, pois são menores, além de ser crime a veiculação de imagem sem autorização”, desabafou a professora Sandra Maria da Silva Oliveira.

A docente, que trabalha em instituições estaduais e municipais de ensino em Resende, entre elas a Escola Municipal Bilingue Rompendo o Silêncio, revela como ela e os colegas receberam a informação sobre a atitude da futura parlamentar de Santa Catarina, e acrescenta que já vem conversando com eles. “Estamos indignados e mobilizados para nós defender dessa arbitrariedade, inclusive conversando sobre quais nossos direitos e o que fazer quando estes forem violados”, conclui.

Ela postou nas redes sociais um link de acesso a um abaixo-assinado online criado por professores pedindo a impugnação da deputada eleita. Até a manhã desta terça-feira, dia 30, o número de assinaturas online ultrapassava os 200 mil.

Nas redes sociais, os professores também se pronunciaram a respeito. Uma das educadoras de Resende divulgou em seu post o “Manual de Defesa para Docentes”, uma forma de auxiliar os docentes caso estes se sintam constrangidos e censurados, ensinando a proceder em caso de invasão da sala de aula. A postagem teve 20 comentários e 11 compartilhamentos até às 21h desta terça-feira, dia 30.

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO
Segundo as entidades que se manifestaram em Santa Catarina, tanto as atitudes tomadas pela deputada Ana Caroline quanto por Bolsonaro são consideradas inconstitucionais, uma vez que a Constituição Federal de 1988 garante a liberdade de ensino e aprendizagem em seu Artigo 5º, inciso IV, onde “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”; e inciso IX, onde “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”; além do Artigo 206, onde o ensino será ministrado com base nos princípios da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (inciso II); e no “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino” (inciso III).

No Artigo 2º, a CF ainda destaca que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. E no 3º, ainda cita em seu inciso IV o “respeito à liberdade e apreço à tolerância”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996), em seu Artigo 3º, reafirma as liberdades garantidas pela Constituição.

A Escola Sem Partido, defendida pela deputada, sofreu uma derrota no Supremo Tribunal Federal (STF) em março do ano passado, quando o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5537 para suspender a integralidade da Lei 7.800/2016, aprovada em Alagoas, que instituiu o programa Escola Livre no estado, atendendo a uma ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino (Contee).

O relator considerou que a norma possui vícios formais e materiais, já que a lei proíbe, por exemplo, a “doutrinação política e ideológica” no sistema educacional estadual e que os professores incitem os alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas. A ação será julgada no dia 28 de novembro pelo plenário da Corte do STF. O ministro Barroso também afirmou que a lei viola a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, prevista no artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal (CF), além de aparente violação aos artigos 5º, 205, 206 e 214 da CF.

Fora isso, o Código Penal prevê, em seu Artigo 138, que caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime, implica em pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa; no Artigo 139, difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação pode acarretar em pena de detenção, de três meses a um ano, e multa. E no Artigo 140, injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro pode levar a pena de detenção, de um a seis meses, ou multa.

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