Manhã de outubro

Faz uma manhã fria. Bandas fechadas de janelas guardam salas e quartos. A chuva cai e forma um ruído leve e constante. Parece que agora ainda é uma parte da noite. Quem já saiu de casa não se atreveu a fazer barulho. Apenas o pedreiro que ontem rebocava o muro, hoje foi obrigado a procurar algo que pudesse quebrar. Daqui ouço os estalos agudos de sua talhadeira. Também o menino que havia marcado um jogo de futebol fica sem saber o que fazer com a energia matinal que lhe fez por as chuteiras desde as 6:30 da manhã. Por outro lado, como ficaram felizes os desocupados que assim querem permanecer. A natureza os força a durar em casa com os chinelos e o sossego de quem ganhou mais um dia. Vão ajudar a cortar a cebola para temperar o feijão e como se sentirão úteis! E como conversarão com alegria e desenvoltura sem deixar que o silêncio se aproxime. A moça que tem carro resolve sair. Não se intimida com o preço da gasolina. Na escola o recreio morre. Salas e corredores úmidos, cheios e abafados são incapazes de oferecer aos pés a mínima aceleração. O sorveteiro cochila. Mal teria troco se alguém viesse comprar um picolé, mas o tempo o faz relaxar ao lado do freezer. Por toda amoreira as frutas são lavadas e seu preto brilhoso esquenta os olhos, pois é sol de sacarose. Na padaria o cafezinho podia até ser mais barato, pelo tanto que se vende, pelo tanto que se quer comprar.

Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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