Uma tarde

Eu ainda ouço os passarinhos cantando nas tardes de sexta-feira. E isso não significa que enriqueci, ou que esteja desempregado tampouco que não precise mais de dinheiro. Continuo empregado, ganhando pouco e precisando de um tanto a mais. Certa vez viajei para um território ao sul a fim de conhecer o inverno. Cheguei logo quando a estação se mostrava o mais robusta possível. Nem precisei perguntar pelos passarinhos, pois eles seguiam para o norte. Deixei de ouvir e em uma tarde de sexta-feira me acomodei sobre o banco de uma praça. Fiquei muito tempo observando as folhas das árvores que caíam. Um verdadeiro espetáculo, pouco a pouco, varrido pelo vento frio.

Eu sei que todos temos casas para construir, ou pontes para erguer, ou cachorros para adestrar, ou bandidos para procurar, ou banheiros para lavar, ou um ente querido do qual reclamar, mas é preciso doar um pedaço de uma tarde para vermos o mundo. Vermos sem interferir. Só ver (ou ouvir).

Vou até me levantar e abrir um pouco mais as janelas. Ainda bem que eu não preciso ver muito longe. Me basta a árvore logo a frente e os bem te vis ordinários que não me deixam esquecer do mundo. Lembro-me de um gol de Pelé narrado por Pedro Luiz. Me levanto e vou resolver o que há. A tarde pode continuar sem mim.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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