Conversa atravessada

Na praça a senhora vende café debaixo da cobertura da sua barraca. Seja como for a manhã nascente os mais diferentes transeuntes param e se aninham pelo balcão circular. Um momento para tomar fôlego e café. Um momento para falar:

“Tô com uma dor no estômago. Um bolinho de bacalhau que comi ontem. Senti o cheiro do óleo estragado”

“Por mim tem que privatizar tudo. Acabar com esse cabide emprego”

“Toma um boldo. Macera as folhas num copo coloca água gelada e bebe”

“E seus filhos vão estudar aonde? Escola particular?”

“Tô com um trinca ferro lá em casa cantando de acordar a vizinhança”

“Na casa de Elsinha tem boldo”

“D. Maria vê pra mim um pedaço de bolo, faz o favor”

“Deve tá cheio de dinheiro pra pagar escola, hospital… tudo particular”

“O bolo é de milho”

“Ah, e meu café é sem açúcar. Médico mandou cortar”

“E o mengão dura quanto na liderança?”

“Trouxe minha encomenda, D. Maria?”

“Essa hora Elsinha tá dormindo ainda.”

“O problema do Brasil é o roubo”

“Tá com diabetes?”

“Aqui a encomenda. Tá tudo escrito direitinho aí. Ela disse que não tem erro.”

“Nunca mais como bolinho de bacalhau naquele lugar. Cheiro de óleo podre”

“Tem gente que acha que só o rico é honesto. Pior é que quem pensa assim é pobre. Pode ver”

“Olha a hora gente”, passa um correndo e avisando. O rádio da D. Maria avisa são 7:00h meu amigo e minha amiga que vão pro trabalho.

Saem todos. Somente D. Maria permanece, para em breve chegarem outros tantos falando.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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