Decidiu que era hora de um novo amor, uma nova investida. Estava se curando ainda, mas já queria se aventurar. As amigas ocupadas, cada uma com sua vida. Faz tempo que não sai, perdeu um pouco o jeito.
Escolheu um site de relacionamentos. Precisava criar uma conta. Gratuita. A aventura de início não seria tanta assim. Um apelido. Coisa difícil. Gatinha92. Não sou mais gatinha, pensou. Mulherexperiente23. O que vão entender por mulher experiente? Garotaesperta76. Nem tão esperta. Vencedora32. Perdi no amor. Ah! sei lá. Borboletavoadora47. Toda borboleta é voadora. Deixa para depois essa coisa de apelido. Pode dar errado logo de cara, se não for bem pensado.
Próximo passo: escolher uma foto. Que não pareça muito, não quer se expor. Mas se não se expuser, as pessoas não vão se interessar. Não tinha nenhuma foto que julgasse boa. Essa aqui de uma viagem. Vão me achar esnobe. Talvez essa, mas foi do ano novo, dia seguinte, cara de ressaca. Essa do carnaval passado. Já vão pensar que sou de farra. Essa só de rosto aponta os anos que vão depressa demais. Estou com olheiras. Essa outra parece boa, mas e esses fios brancos aparecendo? Vão me achar relaxada.Vou providenciar uma bem bacana, depois coloco aqui.
Pronto: minha idade. O que eu faço? Não vou dizer logo de cara, né? Vou deixar para virar assunto quando rolar o bate papo. Como eu sou? Sou legal. Não sei falar sobre mim. Vou escrever: para saber mais entre em contato.
O que eu quero? Uma pessoa legal. Que goste do que eu gosto. Que curta os meus programas. Que programas? Só se for os que passam na TV. Não tenho saído, não faço nada, nem cinema, nem jantar fora. Fico em casa lendo. Péssima coisa para se colocar. Leitura é coisa de gente solitária, recôndita, extirpada do mundo. Vão me entender mal. Música. Gosto de música. Qualquer uma. Que seja música boa, não gosto de música ruim. E isso é tão subjetivo! Esse item ficará também para o bate papo.
Não quero que fume. Odeio cheiro de cigarro e agora todos os lugares proíbem fumantes. Vamos ficar muito restritos. Quero que beba socialmente. Mas e se a vida social for intensa? Vou acabar arrumando um alcoólatra não assumido. E não quero nem os assumidos! Que não beba. Isso. Não beba nada! E que não seja muito religioso. Aliás, que não seja nada religioso, não tenho disposição para ir aos cultos. Que tenha filhos? Preferencialmente não. Não quero cuidar dos filhos dos outros. E atrás dos filhos, vem sempre uma ex mulher, ressentida, manipuladora, disposta a me azucrinar. Quero amar em paz. Vou escolher os solteiros. Mas solteiro na minha idade é chave de cadeia. Se não casou até hoje, alguma coisa tem! Deve morar com a mãe. Órfão de mãe pega bem. Tem pai? Órfão de pai e mãe. Viuvo? Pode ser uma boa. Pensando bem, foi separado à força. Deve amar a esposa ainda, manter fotos dela pela casa. Os filhos me comparando com a mãe morta. E a todo momento vão lembrar que ela adorava essa toalha de mesa, que sabia fazer um suflê maravilhoso, que…ah, que roubada!
Que seja romântico, sensível, carinhoso, inteligente, que saiba dançar, que tenha um bom vocabulário, que não escreva errado, que não seja neurótico, nem possessivo, nem ciumento, nem machista. Que não seja tímido e nem muito atirado. Que seja atencioso, educado, que não tenha maus hábitos ,que seja bom caráter, que tenha um bom emprego, bom salário. Que goste de presentear, seja generoso, que seja amigo, saiba ouvir, seja paciente, tolerante, goste de animais, crianças, família. Que seja organizado. Que me prefira aos amigos e que não seja cercado de amigas. Que tenha bom gosto, não fale alto ao celular e nem ao chegar nos lugares anunciando sua presença. Que seja discreto, elegante, fino. Que tenha classe e seja um lorde. Que tenha um beijo bom, que tenha pegada. Que elogie, que saiba agradar.
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Deletou o perfil. Antes de começar. Não suportaria outro fracasso no amor.
Ângela Alhanati
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Livre pensadora exercendo seu direito à reflexão
