Tuiuti faz história e o samba pede passagem num desfile marcante

A vitória da Beija-Flor no desfile das Escolas de Samba do chamado grupo especial do Rio de Janeiro não surpreendeu até quem não assistiu ao desfile. Afinal, a agremiação de Nilópolis sempre foi a queridinha do ‘Sistema’, desde que saltou da Avenida Mirandela para o mundo, alçada pelas asas da ditadura militar e iluminada pelos holofotes da Globo.

Embora seja ‘chover no molhado’ dizer que o desfile das escolas de samba na atualidade privilegie, ou destaque, variadas formas de manifestação artística em detrimento do samba, sua suprema e determinante razão de ser, admito que isso não é o fim do mundo. Ganha o espetáculo que é.

Incomoda bem mais o tratamento que o samba tem nas próprias agremiações que se tornam a cada ano, nada mais que grandes casas de espetáculo abandonando ou maquiando tradições em favor do que dita o famigerado ‘mercado’.

E acabou que foi o samba que desequilibrou. Que criou o caldo de vitória para a azul e branca nilopolitana. Um samba com bela melodia e uma letra muito bem encaixada. Forte. Se o conteúdo não espelhava a real realidade dos nossos dias com a coerência política que desejávamos, isso é outra coisa.

Se a criatura exposta na Sapucaí lembrava mais um emaranhado mal explicado de consequências e não apontava as causas, se havia uma ingenuidade em mostrar o país como uma entidade abstrata, sem culpados reais, isso é outra coisa.

Os compositores não são politizados ao nível que gostaríamos e os carnavalescos obedecem aos interesses dos seus ‘donos’. Mas que o samba arrepiou e arrastou a massa ninguém vai negar.

A surpresa mesmo, a grata surpresa, foi a ‘Paraíso do Tuiuti’ chegar em segundo lugar. Pelo que vi no desfile, achei que ela cairia para o grupo de acesso. Não pelo desfile, que foi maravilhoso em todos os sentidos, e sim por estarmos acostumados às tramoias de quem julga em nosso país, seja em que instancia for.

Se a Beija-Flor mostrou uma revolta contra um nada e quando muito, à classe política e a corrupção (lugar comum), a Tuiuti colocou o dedo na ferida, falando das ações criminosas do governo ilegítimo de Temer contra os trabalhares e o povo mais humilde. E não perdoou nem a mídia manipuladora que colaborou para encorpar as manifestações anti-Dilma em 2013.

A Escola apresentou um belo e oportuno samba, que tem entre seus autores, alguém do calibre de Moacyr Luz, mas que não teve o poder de contágio imediato como teve o samba da Beija-Flor. Se a Tuiuti já fez um desfile merecedor de vitória, nos redimindo até mesmo com relação à confiança dos jurados, se tivesse um samba daqueles teria ganho com os pés nas costas.

Ficou no fundo do copo o resíduo de um desfile maravilhoso que teve ainda Salgueiro e Portela que poderiam ter vencido, e, acima de tudo, um brado que de remeteu às origens libertárias do samba.

No desfile das campeãs teremos de volta a Mangueira colocando o dedo na cara de um prefeito que usa a ‘religião’ como filtro em seu governo antipopular. Teremos a Tuiuti repetindo seu desfile, este sim, histórico, desnudando as tramas e traições urdidas pelo ‘Vampiro’ e sua quadrilha de lesas pátrias (incluindo parte do Judiciário).

E ouviremos mais uma vez a massa cantar aquele belíssimo verso, como já disse, com seu jeitão lenitivo: “Mas o samba faz, essa dor dentro do peito ir embora, feito um arrastão de alegria e emoção o pranto rola”. Repito, a dor vai embora, mas volta. Com a palavra o povo brasileiro. A Tuiuti deu a receita.

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