Inspirado pelos sanhaçus

Acordei e parti o mamão em duas bandas. Da primeira delas retirei todas as sementes para meu café da manhã. A segunda ofereci, com sementes e tudo, para os sanhaços. Busquei uma colher e comecei a raspar a banda que me era de direito. E também os pássaros não titubearam. Primeiro veio o macho, pousou na amoreira, olhou para cá e para lá, e deu sinal. Logo a fêmea saiu do ninho e rapidamente esburacou a suculência alaranjada do pedaço de mamão. Em seguida emitiu um sinal sonoro; o macho respondeu e ela voltou para o ninho a fim de alimentar os pequenos. Só então ele veio fazer sua refeição.

O que me impressionou nesse caso não foi a cobertura dada, o companheirismo, o cuidado e a eficiência do trabalho em equipe. Não saiu de meu pensamento a perfeita comunicação entre eles. Cada pio entendido claramente. Nenhum desentendimento. No entanto não passei o resto da manhã me lamuriando com minha condição humana; não fiquei me dilacerando com um pensamento do tipo “Como é fácil ser um sanhaço.”.

Pois o mundo não é um poleiro exclusivo para eles. Por aqui estamos nós, seres humanos. E a mim, particularmente, não interessa classificar se melhores ou piores que os pássaros. Porém de tanto ver a espécie humana por aí, posso afirmar: Nós podemos recomeçar; podemos fazer tudo de uma forma diferente, e por isso, é claro, temos tantas chances mais de acertar quanto de errar. E nossa comunicação não será perfeita em função do pensamento, pois ele também nos trairá.

Nos inspiremos nos sanhaços! Mas não para fazermos tudo sempre igual. E sim para encontrar aquilo do qual não podemos fugir, no nosso caso: Criar novas formas de viver.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

Você pode gostar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O limite de tempo está esgotado. Recarregue CAPTCHA.