Cavalo baio na chuva

Caía uma chuva fina, frágil, submissa ao vento. Não causava desespero em ninguém. Embora estivessem todos protegidos, cabeças cobertas, mãos enfiadas em bolsos, pés isolados do chão pela borracha grossa dos calçados. Iam à procura de abrigo, entretanto sem correria.

Eu seguia pela beira rio, por onde um trânsito ordeiro era atravessado pela marcha lenta de um cavalo baio sem cabresto. O animal com o dorso curvado como se habituado a carregar algum peso produzia um barulho ancestral quando batia os cascos no asfalto. Sua crina molhada e escorrida pelo longo pescoço lhe garantia uma aparência de abandono. No entanto, guiado pela fisiologia, ele não se desalentou como faz um ser humano e foi em busca da grama – verde e fresca em razão do tempo – que descia pela margem do rio.

Fiquei pensando de onde viera esse cavalo baio. Do outro lado da rua, o porteiro do condomínio interfonava para tranquilizar a todos: o animal não forçara a entrada!; pobre criatura que tampouco evidenciava habilidades hípicas para pular qualquer grade. Não estava bem nutrido, seus olhos eram aguados como os de um bêbado com cirrose e, portanto o que tinha para ser admirado era o fato de ser cavalo: o mais belo e forte dos animais, como afirmou Leonardo da Vinci, quando se referiu a o cavalo.

Quanto a mim, sequer pude parar para observá-lo melhor. As forças das minhas ites me impediam de molhar o cabelo ao vento frio da beira rio. Por isso não sei o que acontecera ao cavalo baio. Mas estou certo de que em momento algum ele se preocupou comigo. Eu, tão insignificante sob a chuva fina, frágil, submissa ao vento.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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