Moça rica

A moça tinha cozinheira, arrumadeira, passadeira. Motorista não tinha porque gostava de dirigir seus carros. A moça tinha casa na serra onde o caseiro acendia a lareira e o queijo já vinha ao seu encontro cortado e espetado. Na serra pastos e bosques ficavam para trás durante o passeio a cavalo sem que depois ela precisasse ir a cocheira limpar a sela do animal suado. Tinha casa na praia com quintal de areia onde dormia esticada uma rede para a prática do voleibol. E quando resolvia sair para remar em seu stand up podia fazer mais de um convite, tantas pranchas possuía. Tinha apartamento na cidade, já que gostava de visitá-la sem ter a necessidade de nela viver uma segunda-feira de trabalho e tempo perdido no trânsito. Por isso acordava tarde e saia da urbe com calma no meio do dia quente, porque ia dentro do ar condicionado do seu carro zero.

Pois bem, há quem esteja pensando que nesse segundo parágrafo a crônica apresentará essa moça despossuída de um amor. Visto que esse sentimento caberia apenas aos desprovidos. Contudo não é bem isso. Essa moça tinha também um amor. Aliás, um amor bem diferente do que se possa pensar, pois trazia ela um amor que não suportava passeio a cavalo pelo frio da serra; um amor que se entediava com a mísera possibilidade de ficar distante do agito intermitente da cidade; um amor cheio da convicção de que somente nos ares bucólicos do campo se podia viver um romance marcado por momentos inesquecíveis.

Os ricos também amam, a sua maneira. E querem continuar amando tanto quanto querem continuar ricos. Entretanto, se agora andam um pouco mais sisudos não é problema de amor, é devido a essa enxurrada de delações premiadas levando até quem se prendia a pesadas âncoras de ouro.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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