Crônica moderna

Ela já lhe tinha visto certa vez no entra e sai de uma padaria. Gostou de imediato. Achou os gestos dele livres, porém sem a brutalidade do desajeito. Não era fim de tarde, ainda, entretanto ele se permitia uma xícara lenta de café adoçado por um pensamento solto. Evidentemente estava envolvido com o trabalho, o que ela constatou pela roupa; pelo olhar no relógio. Enfim, ela gostara dele e agora era arrumar o pretexto para uma conversa.

E houve um dia em que ele bebia uma cerveja atrás de uma vidraça numa rua que começava a se iluminar. Ela passou. Mas não entrou na cervejaria de imediato, como o leitor deveria estar querendo adivinhar. Seguiu andando e pensando. No entanto diminuiu o ritmo dos passos. Lembrou-se do irmão. Em cinco meses ele faria aniversário.

Voltou e entrou a fim de comprar um presente etílico. Todavia claro que agora ficava declarado que ela, como uma moça moderna, se demonstrava interessada. E que problema, além das más línguas da moralidade, haveria nisso?

O rapaz se aprumou na cadeira. O atendente a apresentava aos diversos rótulos e suas informações sobre aromas e sabores. A cerveja que ele bebia tinha um rótulo marrom. De propósito ela quis saber mais sobre essa. Claro que ele olhava tudo, no entanto nada dizia, de modo que ela, apostando uma ousada cartada perguntou: É muito amarga? É um presente para meu irmão e ele não gosta de cervejas amargas.

Ah, enfim ele respondeu e ofereceu uma cadeira vazia e um copo cheio. Foi nesse momento que ela disse não saber. Falou do calor e da chuva que estava por cair. Mas, claro, isso era apenas um artifício para deixa-lo falar e desde já conhecê-lo.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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