Pequena ponte

Ontem por uma ponte pequena, feia e despretensiosa desta cidade, se voltaram muitos olhares. Devo dizer que nesta cidade de pontes extensas que cruzam o gordo rio Paraíba, jamais tanta gente se havia prestado atenção naquela ponte mirrada; filha bastarda de um córrego sujo rodeado por fundos encardidos de construções cuja má conservação havia retirado toda antiguidade.

Que vida ingrata e desolada tinha essa pequena ponte nesta cidade onde uma centenária ponte de ferro vermelho, importando em navio, triunfava como cartão postal. Duplamente humilhante a situação, pois não satisfeita a cidade possuía outra ponte, essa de concreto; metros e mais metros até o outro lado do rio e da cidade também. Não bastasse essa dupla e desleal concorrência, o crescimento da cidade fazia urgente que se construísse uma nova e terceira grande ponte; essa mais moderna e arrojada cujas formas povoavam os desejos dos mandatários locais.

Ah! Em meio a todas essas pontes, estava lá uma pequena ponte na qual tanta gente passava todos os dias sem se atinar que pisava em uma ponte. Mas ontem a ponte apareceu, foi notícia de boca em boca, e até no intervalo do futebol houve quem lhe comentasse. Pois um enxame de vespas se apoderou de sua pequena extensão e quem por ali passava era repentinamente atacado. Os insetos em nuvem perseguiam carros, bicicletas e transeuntes. Houve um que quase se lançou no córrego sujo; outro que se defendeu com o jornal. Porém o que chamou a atenção dos homens e os fez perder a paciência, foi a moça de longas pernas ser covardemente emboscada. Salva vidas, super-heróis e marinheiros de primeira viagem se reuniram e espantaram as vespas com duros golpes.

A moça agradeceu. A ponte quis que durasse mais. Não por maldade. Apenas para que todos lhe lembrassem por muito tempo como ponte; nem que fosse como a ponte das vespas.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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