Sol no inverno

Custou metade da manhã para aparecer o sol. Ainda assim vinha com o cansaço de quem chega de longa e viagem. Mas chegava e arriava pela Terra uma luz morna cujo maior efeito se fazia no movimento das pessoas. Pois a bem da verdade, os termômetros não mostrariam com rapidez alterações científicas para o aquecimento dos olhos. Fosse como fosse era o sol no inverno.

Em razão disso, nas salas de aulas os professores mudavam o planejamento pedagógico. Agora não iriam esperar os estudantes resolverem sozinhos as equações de segundo grau. Iam para o quadro e mostravam as resoluções sem qualquer peso na consciência para que todos descessem logo. Também o rapaz que vivia a toa pela esquina correu para casa e pôs as gaiolas dos passarinhos debaixo do sol. Assim soltariam seu canto com alegria.

E o rapaz a toa poderia ser visto tendo o que fazer: já que pela vizinhança corria silencioso e golpista o gato do Sr. Michel. Até o mais ranzinza dos homens tinha um momento de júbilo. Não sei o nome dele, contudo creio que o leitor possa bem conhecer um deles. Não são exemplares envoltos em extinção em épocas como essa em que vivemos. Mas sei que esse, de quem me refiro, se levantou da cadeira na sombra da varanda e apoiado na bengala seguiu até o muro baixo onde se escorou e respirou distraído, como se lembrasse de algo distante, talvez infante.

Por fim, a moça carioca que há ano vivia pelo sul disse ao chefe da repartição pública que iria beber um café. Na soleira do prédio abriu o casaco e pensou: Que saudade de ter um sol pra mim.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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